terça-feira, janeiro 17, 2006

Longo


Negro. A noite envolvia os dois sentados num velho banco de madeira de um jardim abandonado na noite citadina. O frio já quase não se fazia sentir com o fim da primavera. As árvores ainda balançavam ao sabor do vento mas eles aconchegados não tremiam com elas. Ele sentia o perfume dela vindo da cabeça apoiada no seu peito. O perfume que sentia era o dela e não um inventado por um estilista qualquer. Com o passar dos anos a convivência com ela tinha feito desaparecer os maus cheiros que ganhavam na rua. Já não sabiam viver se não na rua mendigando o suficiente para alimentar o estômago. Ele rodou a cabeça para olhar a sua fronte enternecida. Ela beijou-o na boca com um olhar que ambos reconheciam como o beijo que a idade e o decoro impediam. Ela voltou a deixar cair a cabeça olhando um fonte que alguem se esquecera de arranjar e perdera a vida da água a jorrar. Todos os dias agradecia a Deus por o ter encontrado. A vida nas ruas era dificil, e duas bocas são mais dificeis de alimentar mas uma mulher sozinha na cidade era demasiado perigoso. Inicialmente fora uma relação de interesse mutuo mas os anos ao lado dele tinham feito florir um sentimento que nunca encontrara numa casa. Talves fosse isso que os mantinha de procurar um vida mais ortodoxa. A felicidade que a rua lhes dava superava o desconforto da cidade fria. Já nem era desconforto. Viam apenas contratempos, pequenos buracos na estrada que percorriam em conjunto. Ele procurou no bolso o pequeno presente que tinha achado na rua. Abriu o plastico tentando não fazer barulho e levou-lhe à boca enquanto ela resmungava surpreendida. Ao sentir o sabor doce olhou-o surpreendido. "Trouxe-mo um passarinho, não me deixou comê-lo, disse que era para ti." Ela respondeu de boca cheia resmungando com ele por não ter comido nada desde manhã. Ele sorriu levando-lhe outro pedaço à boca. Ela saindo do colo dele fechou os olhos e beijou-o esquecendo o decoro. Ele sentiu o sabor doce na boca e deixou-se levar pela impetuosidade dela. Ao desprenderem as bocas o seu estõmago protestou amargamente por sentir o doce tão perto. Ele tentando com que ela não ouvisse enfiou-lhe o ultimo bocado na mão dizendo "Vá levanta-te que já são horas de dormir" E de mão dada voaram na noite deixando um rasto de felicidade nas ruas adormecidas.

2 Comentários:

Blogger SA. disse...

Acima de tudo és meu mestre e sempre o serás. Não acho que este texto esteja tão bom como os outros, o que também não significa que esteja pior, até porque não te sei explicar bem o que "não gostei", só sei que quando leio algo teu, vejo a acção toda como um filme na minha mente, mas com este não houve imagens. Tocou-me no coração, mas não o vi.
(Eu avisei que não tinha nível nem "qualificação" para fazer este comentário)

11:42 da tarde  
Blogger Unknown disse...

muito expressivo..gostei bastante..capaz de arrancar uma lagrima a qualquer ser sensivel.
keep on the good work. =)

8:12 da tarde  

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