sábado, fevereiro 10, 2007

Amar debalde

Também eu pensava que isto não existia. Debalde. Não a palavra. Por essa nutro um carinho de descoberta por folhear um dicionário. Em vão. Amar em vão. Pensava que não existia. Pensava que o amor era para toda a vida, que se fazia a dois e nunca poderia ser em vão. Vão, inútil. Naqueles dias de sol em que os meus olhos fogem para o mar penso se não terá sido a minha dor a fazê-lo assim, se não será o meu ressentimento que torna tudo tão negro e desagradável visto daqui.
Tínhamos amigos em comum. Era assim. Saíamos em conjunto, dois beijinhos e olás. Começaram a nascer sorrisos e vergonhas. Os nossos amigos começaram a reparar e a gostar. Nós começamos a gostar. Começamos a sair mais vezes, a juntar palavras aos olás. A falar só um para o outro, e as semanas começaram a ficar mais longas. Sábados alegrias. Sorrisos, gargalhadas. Até que um dia a voz dele surgiu no telefone. Dois bilhetes para o teatro, teatro a dois. O escuro tornou-nos confortáveis e a mão dele procurou a minha. Sorriso abrasador quando a personagem principal gritava de lágrimas. Nessa noite, pela primeira vez antes de sair do carro dele senti-lhe o olhar quente nos meus olhos. Demasiado quente. Ardente. Como nos filmes. Segundo encontro a sós trouxe rosas e beijos de despedida. Vermelhos, as rosas e os beijos.
E continuamos no vermelho, ele envolvia-nos e dava-nos mais e mais calor. Felicidade, alegria e saudade. Começamos a chamar-lhe relação. Parece-me tão dura esta palavra agora. A segurança dessa mesma relação e das três décadas levaram-nos para a mesma casa. Erro. Eu amava já. Debalde. Eu sei, isto soa demasiado magoado, demasiado emocional para ser correcto. "Nenhum amor é em vão!". Mas foi, e tornou-se porque eu deixei. Comecei a perder regalias e sorrisos. Via-lhe os olhos mais fechados que abertos, a boca mais fechada em beijos do que aberta em conversas. O cair no escuro, o vermelho ficou castanho e o castanho ficou preto. Ciúmes no negro, possessivo na luz da rua. Dor e amor. Incompatíveis. Comecei a sentir-me pequena e indefesa ao lado dele. Lágrimas, lágrimas demais para ele. Gritos dele e choro compulsivo meu. Medo. Já começam a perceber o vão. Não são sinónimos mas eles enchem o vazio do amor. Medo, dor, ciúme e gritos. Deixou de haver vermelho. Até um dia. Um dia o vermelho voltou da pior forma. Vermelho salgado de lágrimas, vermelho no chão. A casa tornou-se vermelha, eu vermelha e negra. Dor para mais dor.
O vermelho durou até vir o branco e azul. Hospital, um mês para curar o peito e o corpo. Uma vida para curar o vermelho. Milénios para curar o amor.

4 Comentários:

Blogger Flash disse...

Amar.
Uma palavra simples, um sentimento complexo.

Abraço!

4:45 da tarde  
Blogger styska disse...

fantástico, adj., que espanta pela sua grandeza ou importância; extraordinário; fabuloso; formidável; sensacional; incrível.

4:58 da tarde  
Blogger Gui disse...

Sabes o que pensava eu hoje? Já não sei se foi ao acordar ou a meio do dia, mas sei que pensei. podias fazer um livro do amor. Um livro com os adjectivos de amor, objectos de amor e agora estes diferentes tipos de amor. Tens de escrever um livro. Tenho de ver o teu nome nas livrarias. Não descansarei enquanto não o vir...

És fabuloso!
um beijo*

6:48 da tarde  
Blogger SA. disse...

"Vermelho salgado de lágrimas, vermelho no chão."

nenhum mestre me ensinou a reagir a palavras assim...
Como se faz?


(pequenina, pequenina....)

9:54 da manhã  

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