domingo, fevereiro 11, 2007

Amar como?

Desde sempre foi assim a dois. Nunca fomos de grandes números. Dois quartos, dois pratos na mesa, dois. Nem avós nem primos nem sequer irmãos. Só eu e ela. E a minha mãe. Nunca tive outra vida por isso não a sei melhor ou pior. Soube-as assim e fui feliz assim. Tenho avós e primos mas nunca se acercaram. Só quando comecei a usar os óculos da idade é que percebi que tinha a ver com o facto de sermos dois. Que eles não se aproximavam, digo. Famílias às direitas, percebem o que digo? Nunca fomos de direitas, eu e a minha mãe. Fomos de todo o lado, felizes em todo o lado. Saltamos de casas, saltamos de trabalhos da minha mãe e de escolas. Mas éramos felizes assim a saltar. Deu-me a vida toda. Escola e assim. Faculdade, curso, psicologia. Deu-me liberdade, responsabilidade e felicidade. Sorrisos com sorrisos. Nunca vi a minha mãe chorar, e acredito que deva ter chorado a sua vida de infortúnios. Mas ela nunca me mostrou, a mim ou a alguém.
Já trabalhava. Vivia ainda com a minha mãe, na casa que começamos os dois a pagar. Quarto andar num lugar tranquilo e cheio de passeios para fugirmos à noite. Precisamente no passeio em frente à minha casa. Uma árvore ainda demasiado jovem era segura por um pau forte. Mais forte do que eu julgava. Ele encostara-se lá, o cigarro encostado à sua boca, o fumo misturado com o nevoeiro. Era um lugar sossegado, como já disse, e o aspecto dele não se ambientava nada ao passeio. Por isso logo o estranhei. Falou-me quando me aproximei. Não sei como me reconheceu, e não sei o que disse porque estava ocupado a reconhecê-lo a ele. Não poderia. "A tua mãe disse que esperasse cá em baixo." Com a palavra mãe o meu coração tremeu. Se esta figura não se enquadrava no passeio, não era de todo agradável a presença dele com a minha mãe. Agarrei as chaves com mais força. Agora as suas palavras caiam-me com latência na cabeça. Não me recordo das palavras, mas lembro a dor em crescendo com elas até culminar na palavra "Pai". Aí o meu estômago deu uma volta, as mãos cerraram-se em si completamente e o meu rosto carregou-se. Éramos dois. "Talvez pudessemos começar tudo de novo".
Então ri-me. Ri-me mesmo, e no fim do riso e perante a total falta de acção dele disse-lhe "Como?". Era impossível, nunca poderíamos ser 3.

3 Comentários:

Blogger styska disse...

já não tenho palavras para te comentar! não me quero repetir mas parece inevitável... como é que é possível que escrevas assim? esta série está fenomenal! vá... vai lá escrever o próximo que eu quero ler!

***

7:58 da tarde  
Blogger Gui disse...

olha eu faço minhas as palvras da styska...podias passar a escrever dois por dia...isto é tipo a anatomia de grey, vicia-me! Só que aqui não posso sacar os próximos episodios da net...damn

8:41 da tarde  
Blogger SA. disse...

eu axo que te esqueceste de como se dá passos normais.
Estás tão grande que só podes mesmo dar passos de gigante...

(mas juro que vai haver sempre quem tente ficar, no mínimo, a uns bons anos-luz de ti. Juro.)

9:51 da manhã  

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