domingo, janeiro 08, 2006

Vivo


Ele esperava que o elevador o levasse ao décimo segundo andar do pesado edifício. A música que habitava os ascensores à muito que tinha morrido. A névoa acompanhava-o dançando à sua volta. A porta abriu-se e ele fez um tremendo esforço para que um sorriso se lhe abrisse na face. Caminhou ao longo do corredor que os seus pés se haviam habituado a espezinhar olhando o chão procurando a alegria entre os azulejos brancos. Parou à frente do vidro frio que conhecia de cor. Olhou através dele e deitada na cama estava ela como sempre. Dormia serenamente como se estivesse no pequeno palácio que ele havia construido para ela na sua casa. Aproximou-se do vidro e toucou-lhe como se tocasse a sua pequena face aconchegada na almofada. A proximidade do calor embaciou o vidro e ele sentindo-se protegido pela cortina branca largou um lágrima fria que lhe rasgou o sorriso em dois. Desde que ela adoecera a expressão na sua face era como a das duas máscaras que habitam o teatro por ele ter que lhe trazer a alegria quando a vinha visitar. As razões para sorrir não eram suficientes e o sorriso só surgia para não escurecer o brilho que ela trazia nos olhos. Ainda tapado pelo vidro baço deixou que a àgua salgada lhe levasse a tristeza e cuidadosamente voltou a pôr o sorriso defronte da sua cara para se ela acordasse.Ela voltou à luz branca que lhe enchia o quarto resmoneando ainda o sonho e fazendo uso da escassa mobilidade que tinha para se espreguiçar.Abriu os olhos para ver o branco que já tanto a enfadava. As cores sempre haviam povoado o seu guarda-roupa, assim como alegria povoava o seu coração. Sentindo o olhar carinhoso vindo do corredor rodou a cabeça para o encontrar com um sorriso. Ela sorriu também por o ver e acabou deixando o sorriso na face para que ele pensasse que a alegria ainda não a tinha abandonado. Ele entrou, sentou-se na cadeira à sua cabeceira beijando-lhe a mão e depois a testa. Sorriram um para o outro mas traziam o amargo na boca e o salgado ainda latente nos olhos.Conversaram, brincaram e riram-se trazendo a ilusão que era um domingo normal antes do pesadelo vir. Ele por dentro ardia por saber que não iria voltar a ter um domingo assim, mas sorria porque ela ainda na inocência não o saberia. Ele dava-lhe toda a sua esperança e ficava vazio dela. Ainda assim conseguia sorrir, assim como sorriu da primeira vez enrolada no manto branco a seus braços ao lado da mãe que sorria tanto como ele. Agora já não era igual o sorriso mas o sentimento no peito dele ardia mais que nunca. O sol correu para longe do velho prédio e o branco tornou-se em cinzento e ele beijando-a de novo saiu corredor fora fugindo da dor. À saida a trocou um beijo e uma lágrima com quem lhe tomava a vez, e entrando no carro voou para bem longe, sentindo que ela voaria em breve para um sitio onde ele não a poderia alcançar.

5 Comentários:

Blogger SA. disse...

Disseram-me que a palavra Mestre era excessiva. Pessoas excessivamente ignorantes que nunca se deram ao trabalho te te ler. Cada vez admiro mais aquilo que escreves e cada vez me orgulho mais de te ter como Mestre tão "vivo" como tu.
Gosto muito de ti, e gosto muito de te ler

11:07 da manhã  
Blogger styska disse...

lindo o texto, não pelas palavras, mas pelos sentimentos. pq é a quem só resta a dor que compete manter vivo o amor...
mto bonito, mesmo*
beijinho

3:09 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Passaram-se dias, meses, anos. Nem sei ao certo quanto tempo foi. Perdi-lhe a conta...mais do que isso...perdi-me por aí.

1:35 da manhã  
Blogger Psyreg disse...

Este texto..deixou me com uma lagrima aqi a qrer sair.. =$

Gostei imenso..*

10:00 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

A vida é o momento. Há momentos de felicidade que valem por uma vida inteira de dôr.
A dôr não é eterna, o amor é!

Nunca deixes de escrever e de o partilhar connosco.
Obrigado.

4:45 da tarde  

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