terça-feira, dezembro 13, 2005

Efémero


Luz. A passar rápido de mais para que alguma coisa se foque. Uma pintura esborratada de cores sem nada se ler. A chuva bate contra o vidro enquanto os pneus voam sobre a água. Os pensamentos dele voam com o autocarro, perdidos no meio de tanta cor. Da mesma maneira para com a travagem já antevista. Os vultos da noite entram tentando fugir da água que cai na noite. Ele sentando no seu banco vai examinando cada vulto que se ilumina ao passar pela porta dianteira. A meio dos exames uns olhos negros capturam-no com uma força tal que ele desvia de volta ao negro molhado continuando a capturar o movimento do corpo que lhe aprisionou o olhar. Aproxima-se e senta-se em frente a ele separados apenas por um banco. Ele observa-a pela periferia do olhar enquanto finge interessar-se nas gotas que no vidro os acompanham. Ela cora. Pensa para si que se deve ao calor que encontrou ao sair do escuro molhado e não aos olhos que lhe sugaram o olhar. Ela tira uns cadernos e finge estudar enquanto ele olha
distraído o que vai passando por ambos. Mas ela sente o olhar a puxar e levanta a cabeça várias vezes como uma criança cheia de curiosidade. Ele vê o movimento dos olhos dela e receia olhar para não ser apanhado. Com as linhas dela muito desfocadas ele vai tentando desenhar um rosto mas muito tenuemente até que ganha coragem e olha para ela tentando definir o esboço. Ela, pressentindo o movimento dele, levanta os olhos e encontram-se de novo. Desviam o olha por instinto e tão rapidamente que parece que se queimaram. Ele fica perdido num turbilhão de pensamentos enquanto ela se perde nas letras do seu colo. Ela destemida levanta a cabeça e vai rodando os olhos até encontrar a sua face. Ele lentamente roda a cabeça para a encontrar de novo. Desta vez não afastam o olhar mas surge um sorriso involuntário simultaneamente nas 2 faces. Sorriem e olham-se como se conhecessem à anos. Como se tivessem mil e uma histórias juntas . É a vez dele ser destemido. Sem tirar os olhos dela levanta-se e senta-se à sua frente, o sorriso ainda voando à volta deles.Como se tudo fosse um procedimento previsto as mãos estendem-se na direcção uma da outra e ao tocarem-se abraçam-se tão naturalmente que tudo parece mágico. E ficam assim, de mão dada por um tempo que os relógios não contam mas que muitas batidas do músculo vermelho acelarado de sentimento conta. Até que ele pressente o caminho e na sua impetuosidade habitual levanta-se enquanto o autocarro abra as portas para uma paragem. Ele corre para fora da caixa e trá-la para o negro de novo.
Parou já de chorar o céu mas o vento ainda corre agitado. Ao passar o autocarro liberta-lhe a vista, e os dois, de mão dada , olham-se pelo reflexo do mar que se lhes afigura. Caminham em direcção ao reflexo, mas vão-se olhando directamente e sorrindo várias vezes durante o curto caminho. Ele sentindo a mão dela tremer tira o casaco e poe-lho sobre os ombros com um manto a uma rainha. O sorriso coroa-lhe a face e uma abraço desprende-se dos corpos. Ele inspira profundamente tentando agarra toda a felicidade no ar. Ela sente a sua essência entrar nele e aperta o abraço guardando-o dentro de si. Afasta-se então para lhe voltar a ver os olhos. De repente as palavras soltam-se-lhe e eles sentam-se na areia largando as suas vidas sobre o mar. Falam-se, falam de tudo menos do encontro por temerem a consequência. O medo que as palavras tornem passado o que querem que seja um presente eterno. Numa palavra doce os risos saem-lhes da boca e quando acabam deixam a tensão do silêncio no ar. Eis que fios doirados puxados pelos corações de cada um fazem as faces aproximarem-se até que os lábios se tocam e então o um fluxo vermelho passa a fluir entre os dois. Ela sente-se voar e abraça-o para que não se afaste dele. Ele procura com as mãos o calor dele e treme com o confronto da temperatura. Os olhos cerrados toldam o tempo numa imensidão de beijos, palavras e carícias. Perdem-se no momento e ele segurando a mão dela deixa que voem juntos em discurso e abraços. Até que ela se afasta levantando-se mas inçando-o pela mão Pousa-lhe então um beijo nos lábios e sibila-lhe "adeus" ao ouvido. As palavras vão directas ao coraçõa que explode em sobressaldo e ele abre os olhos.
Um tecto branco à sua frente. Sentindo-se deitado levanta o tronco confuso e rodando a cabeça procura em desespero o mar à sua volta. Mas desapareceu. Tudo foi um sonho. Ela não mais lhe segura a mão e ele nem ficou com um nome para recordação. Não se lembra sequer da face dela, só do toque da sua mão, da cor dos seus olhos, do cheiro do seu pescoço, do sabor do seu beijo. Deita-se então e tenta adormecer para se encontrar de novo com ela. Mas a porta para o mundo mágico está agora trancada. E ele enche a almofada com o sal das lágrimas frustrado por não ter trazido a chave. E pondo a mão junto do nariz fica à espera da manhã com o cheiro dela na sua mão como companhia.

5 Comentários:

Blogger Psyreg disse...

. . .n sei o q dizer..de facto foi um sonho lindo..lindo até de mais..

***

10:37 da tarde  
Blogger styska disse...

torna-se cada vez mais difícil comentar os teus textos... este está mto bonito e confesso que certas passagens me trouxeram algumas reminiscências...
gostei bastante deste conceito de adjectivar o amor... estou curiosa para ler os textos que se seguem! :)
beijinho*

5:29 da tarde  
Blogger Liliana Bárcia disse...

Adorei.. faz-me lembrar o q uma vez escrevi.. é dos sonhos q tudo nasce, acredito eu q sou uma pessoa q acredita em tudo. Mas pq ñ? Se sonhamos é pq sentimos..

Beijinhos*

12:10 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

bonito, mesmo...
eu nunca sou capaz de recordar os meus sonhos com tanta nitidez, mas deve ser maravilhoso saber sonhar assim.

*

9:44 da tarde  
Blogger SA. disse...

Para quem ja não consegue sonhar este texto magoa, magoa a sério. Porque despertar pode ter sido duro, por tudo não passar de um sonho, mas o sonho existiu. Sonhar é bom, sonhos são reflexos, reflexos dos nossos próprios espelhos. Para quem já nao sabe sonhar, apenas pode ir vivendo, sonhando com um sonho

6:42 da tarde  

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