Voltar é dificil
"Bato a porta degavar, olho só mais uma vez", dou duas voltas à chave pesada e levo-me em direccção à vida. Olho um segundo para trás e imagino a cruzinha lá no fundo. Queria ter lá ido despedir-me, mas faltaram-me as forças e a coragem. Não para ir, mas para vir. O medo de me deixar embalar pelo sitio que mais visito na minha mente, esquecendo que tenho que voltar para uma vida que não é a minha. Perdoa-me por não te dizer adeus. Enquanto caminho sinto o peso dos meus passos na aldeia deserta. A noite gelada ainda cobre tudo e o frio afasta as gentes da rua. Espero o meu carrasco na praça de tantas alegrias. Olho as pedras no chão ainda geladas mas com o interior cheio de alegria de festas passadas. O frio empurra-me para dentro de mim enquanto vejo o ar a sair em nuvens da minha boca. Por momentos desejo que ele venha, o frio, e me deixe aqui plantado, congelado no banco como uma estátua, eterno espectador de um teatro inesquecivel. Mas a camioneta acaba por vir e eu dando um último olhar ao mundo que se me desaparece entro na viagem. Com o andar vou vendo o sol a surgir pelo branco para derreter o que a noite tornou quieto. Um nevoeiro acompanha-me até ao comboio. Enquanto viajo entram reticentes habitantes que viajam para a sua luta diária. Trazem-me de volta o mundo que abandonei ao entrar no paraíso. Lembram-me o custo da vida cá fora, trazendo os escassos dinheiros e as duras reinvindicações que lhes consomem o pensamento. O meu deixei-o lá atrás. Já no comboio e novamente na segura solidão o rio vai escorrendo a meu lado. Não o olho, por trazer a memória do que já não é meu. O nevoeiro solidário fecha a cortina para que não ceda à tentação. Em criança sonhava com o frio, para que viesse sobre o Douro e o congelasse. Correria então por ele acima para chegar de novo ao cais que no cimo me esparava. Agora sei-o impossivel e por isso me amargura olhar para ele quando volto para à casa que não é a minha. Depois quando as saudades já me arderem no peito voltarei ao seu encontro e olhando a água que me traz inalo o cheiro que é o meu e sonho com a proxima vez que voltarei a viver Lagoaça.
2 Comentários:
`"É o riso, é a lágrima, aexpressão incontrolavel: não podia ser de outra maneira"
Só nós, lagoaceiros, sabemos como é. O paraíso existe e o melhor é q é ja ali, pertinho... talvez longe demais, mas sempre muito perto
oh.. gostei tanto.. e a expressão "Com o andar vou vendo o sol a surgir pelo branco para derreter o que a noite tornou quieto." fez-me lembrar tantas recordações.. fez-me lembrar mais uma vez o Sol..
Mas as recordações.. são coisas tão boas, por vezes parece q ainda vivemos tudo isso, parecem imagens fotográficas que permanecem cá dentro de nós, como se ainda estivessem diante de nós. E tb aqueles momentos, aqueles tão importantes que ficarão para sempre dentro de nós. Esses sim, mesmo encobertos por nevoeiro não sou nunca capaz de lhesa ficar indiferente.
Beijinhos**
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