sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Ensaio [Toranja]

Não vês a agonia a escorrer nas paredes. Não vês? Será que é possivel não veres como tudo arde em mim e escorre até ao chão. Esta agonia imensa da tua ausência. As portas não param de ranger. Gente, entra e sai. Lembra-me que não estás aqui, faz vibrar a tua lembrança na minha cabeça. É como um corte que entra no tímpano. E dói, uma dor aguda que faz chiar o coração, e me estripa e enche de fúria. Não aguento o barulho de dentro. É insuportável. Roi e magoa e grita-se do fundo do meu peito. Alto, altíssimo. Ensurdecedor. Já não estou só eu a ouvir...Já toda a gente à minha volta reparou, eu bem vejo os olhos deles. Já anda nas ruas! Olha-me nas ruas de lado. Marginal, sinto-os sussurrarem marginal. Já comentam por aí! Falam nas minhas costas, falam por todo lado. Leio-lhes nos lábios "qualquer coisa não está bem..."
Fala-se demasiado alto para quem está tão longe...Eu não pedi para ouvir isto. Parece que fazem de propósito. Que esperam que me doa. Atiram-me assim o que eu já ouvi gritar. Já ouvi! Mas não tinha que haver pedrada alguém levou por arrasto. Eu não precisava disto. Não mesmo.
A luz continua presa ao tecto. Tão débil que lhe consigo ver o vermelho bem demais. Por mais que se tente tirar, está alta demais. Já peguei num banco mas mal lhe chego. Ou encadeia os olhos e não me deixa ver onde está o vidro que a protege. Ou queima quando se toca. Como se tudo não passasse de um esquema para me queimar. Parece que sabe queimar. Parece arquitectar um plano para que a ponta dos meus dedos arda tanto como o meu peito. Parece que se aproveita de ser a única fonte de luz. Parece que não tenho janelas. E esta luz sufoca-me. Não entra ar aqui. E eu já nem respiro. Já nei sei que preciso de respirar.
Tira a mão quente dos olhos.
Que agora já não te tenho pena, nem que te escondas e me aqueças outra vez. Tira o frio da frente. Tira-o porque já não me importa se estou com frio. Já nem me sinto. Já tenho tão pouca gente para me encontrar. E não te quero ver a ti outra vez. Não quero. Deixa-me. Desata-me os olhos, desata-me a cara. Desata o meu corpo dentro do teu. Desaparece de uma vez por todas que já não te aguento aqui. Tira-me a voz que puseste no tempo. Estou farto de a mandar calar. Ela parece que não me ouve. Que não me ouve ou que não me quer ouvir. Que não está a querer desistir. De me magoar, de marcar em mim o sitio onde exististe. De pisar os membros no chão. De arrancar os braços no tecto. Os braços que formavam o abraço. Quando nos apertávamos tanto que nem nos sabia distinguir. E já não sei agora. Estás tão entranhada na minha carne que já te sou.
Tira-me de mim. Arranca-me do meu corpo. , tira-me de mim. Larga de mim o meu cheiro. Vá, tira-me de mim. Rasga da minha cara o meu sorriso. Queima em mim o que já te é porque quero renascer das cinzas. Transforma o fraco em coisa forte porque tudo se renova...!

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