quinta-feira, abril 27, 2006

Espelho Negro

A noite, escura sem luar. O negro que envolve como se ligaduras pretas me vestissem. A leveza da neblina a temperar o ar que respiro. Eu sentado. O banco de pedra a marcar nas minhas mãos, aninhadas por baixo das pernas, as mil imperfeições que lhe rasgam a face. Só. Eu e a placidez de um lago que no silêncio reside à minha frente. Olho a água quase sentindo o frio, quase sentindo a tensão de uma força demolidora debaixo de uma calma capa negra. Havia uma fonte a jorrar-lhe vida, mas calei-a para que não me incomodasse. Só este sossego permite que veja através da água, só assim consigo ver o que se esconde por trás das ondulações e reflexos. Assim me deixa vislumbrar cada peixe e cada pedra que se esconde no seu fundo. A neblina acerca-se da minha cara e sinto-a húmida. Penso há quanto tempo uma lágrima não corre pela minha face. A minha fonte também foi calada para que pudesse ver mais nitidamente. Não que ela deixe de correr no meu peito, não que ela deixe de fervilhar na minha cabeça mas não a deixo já toldar-me a vista e impedir-me de ver algo tão bonito como um espelho negro. Um carro passa desenfreado na sua luta contra o espaço e o tempo. Eu baixo a cabeça ainda que irreflectidamente. A minha solidão ainda me envergonha. Ainda não sou capaz de assumir que sei encontrar momentos de felicidade sozinho. Os olhos do mundo ainda não sabem ver que a solidão não é nociva e que a falta de uma pessoa ao lado não impede a viagem. Não, não estou a dizer que devemos procurar o isolamento e assim achar a felicidade, nem que a opção de ser só sobrepõe a do relacionamento, mas ambas devem ser aceites como iguais. Eu não olho com inveja um par de mãos dadas, mas sim com um sorriso. Já se me vêem a mão só atiram-me a pena do alto da sua arrogância.
Olho os nomes gravados dentro de corações na laje do banco onde me sento, e passo os dedos por tão árduo trabalho para provar a felicidade. A nossa busca para a encontrar é tão exaustiva que quando a achamos temos que a apregoar procurando tanto a inveja como a admiração de quem não a tem.
Um pássaro procura já chamar o início do dia com chilreios desmedidos que me doem nos ouvidos. Afago minhas próprias mãos e levanto-me num pulo. A neblina voou já e eu sinto vontade de a seguir. Mas antes hei-de mergulhar-me no lago, nem que só com as mãos através da água parada. Não só para a levar comigo, como para deixar em ondulações a marca da minha passagem.

3 Comentários:

Blogger SA. disse...

As capas pretas lembram-me sempre despedidas...
A cada palavra tua há sempre um misto de toques por descobrir.
Não sei bem o que dizer, este post deixou-me em "estado de choque".


Lindo, como sempre

11:36 da tarde  
Blogger Celi M. disse...

Convém referir que quem baptizou o texto foi a Sara .

11:43 da tarde  
Blogger Unknown disse...

perfeito...conseguiste descrever neste texto o que eu busco nos meus...a procura de nós mesmos passa sempre por momentos e fases de solidao...para nos vermos realmente devemos conhecernos sozinhos...ao lado de alguem sempre somos influenciados por minimo q seja...

e não é tristo...é belo...=)

beijinhos

9:44 da tarde  

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