sábado, setembro 16, 2006

Palavra

Primeiro aquele negro que por vezes parece branco e que enoja pela sua falta de identidade. Depois a luz, fios de luz que se afastam e por vezes veem direitos ao chão. Então o barulho, aquele barulho ensurdecedor, e tão doloroso como o abrir de uma arca de recordações. A trovoada. Habitava nesse dia o céu da pintura que a tua janela segurava. Tu sepultada na cama, com meio lençol cobrindo-te o corpo. Era a fase de transição do dia para a noite que desde sempre odiaste. Então quando ai fechada nesse quarto, passaste a odia-la muito mais. Na tua barriga ainda a costura que te fazia prisioneira. Passavas-lhe a mão incessantemente como que desejando que voltasse o que te haviam tirado. Não que fosse importante mas agora estavas presa num quarto como nunca estiveras e essa semana e 3 dias mudou-te para sempre. Quando te encontrei depois, o sabor amargo da tua boca gritava-me que algo não estava bem. Mas eu segui, tomei-o como normal, tomei-o como mazelas do teu cativeiro. E depois o sabor começou a toldar as palavras, começaram a sair amargas, quase negras da tua boca alva. Até que nunca mais te vestiste. Adorava ver-te assim, a vestir-te. A tornares-te na mulher que o mundo via. E com que cuidado o fazias. Um cirugiao colocando cada peça no seu lugar, cada pedaço formando-te para o mundo. Privaste-me de isso e já não te via a metamorfose. Passaste a ser 2 pessoas diferentes e já não sabia qual delas era a minha. Mas foi nesse dia de céu negro que me disseste a profecia que o destino confirmou. Lembro-me da tua expressão leve e despreocupada, olhando o céu negro mas calmo já. "Acabou" e ao tremer do meu coração a palavra foi verdadeira.

1 Comentários:

Blogger Gui disse...

Eu adorei...mas eu adoro sempre...como uma peça de teatro, uma cena de um filme, um episódio, uma memória, desenrolou-se aqui, à minha frente! E também estremeci quando acabou...

Porque tu és fantástico...

5:31 da tarde  

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