segunda-feira, janeiro 21, 2008

o medo vencer


Olha. Foge. Tenho medo, tenho medo de ter medo. Não te agarres a esta mão que ela não te toca. Tenho medo de te tocar, toco só uma guitarra solitária que fechei no tempo. Queres que ela chore para ti? Sou assim eu. Choro e toco uma guitarra com o teu medo.
Teu que é meu. Tu que és minha. Mas que tenho medo de te ter. Não digo nada. Que digo afinal? Que é que espalho neste chão desconjurado pintado de branco. Quem sou eu?? Medo, medo. Deixa que te diga que é medo que sou. Não Semedo, não medonho. Sou medo. Aquele preto, aquele luto que encobre e discorre o coração. Para quê? Para quê o músculo vermelho que se agita? Antes o naco de carne que esguicha sangue. Medo é o que sou. Mas sou gente e sofro com o medo. Não sou transfigurado nem personificado. Toco guitarra lembras-te? Mas sou medo.
Se bem te lembras, já te cantei e toquei. Lágrimas é certo. Embaraço teu, que as lágrimas são minhas! Para quê? Para me deitar sobre a cama de dor. Mas uma cama real, eu sou real! E na almofada asfixiar todo este medo. Se ao menos te falasse. Se
nada nada! Se nada! O medo é maior. O medo é mais forte. O medo sou eu.

domingo, janeiro 06, 2008

Amor de Almofada

O candeeiro fazia chover ouro na mesinha de cabeceira. Ela ria-se ruidosamente. O branco dos dentes contrastava com o negro da boca aberta que ria desmedidamente. As mãos dele circundavam-lhe a cintura. O riso bate no céu dois metros acima da cabeça deles. As mãos dele apertavam-lhe a cintura enquanto o lençol se enrolava nas pernas dela. Estas agitavam-se e torciam o lençol. O riso transformava-se lentamente em tosse. As mãos dele param. Sorri. Sorri feliz. As roupas pousadas em cadeiras de lados opostos da cama. O branco do lençol pairava sobre as peles ainda quentes. A porta do roupeiro aberta para trás mostrava de volta a felicidade que ambos sorriam.
-Não me faças cócegas! - O sorriso pintava-lhe também a voz e os olhos. Os olhos dele espalhavam-se pelo branco do tecto. Imaginava o fumo que se espalhara por aquele tecto na primeira vez que ela dormiu a seu lado. Já não precisava daquele travo a corroer-lhe a língua para sossegar o coração agitado. A felicidade espalhava-se junto ao tecto e aquecia todo o quarto. Um pôr-do-sol imaginário aquecia-lhe os pés abandonados pelo mar azul de tecido enrolado nas pernas dela. Ela parecia ver no tecto gotículas de suor que caiam por todo o chão oleado à sua volta. Detestara sentir aquele chão gelado no seu pé virgem daquela casa. O sorriso ainda aclarava o quarto que se tornava escuro e sonolento. Havia agora fotos de ambos juntos na cómoda que os vigiava pacientemente. Tudo era diferente agora, mas a felicidade iluminava-os enquanto ainda se olhavam de cabeça espalhada nas penas alvas aprisionadas em fronhas escuras. As mãos dele abraçavam-lhe agora as costas nuas aquecidas pelo oceano de calor que ainda lhe navegava o peito. O amor escrito no titulo de um livro que se encostava carinhosamente ao relógio-despertador apagava docemente a luz para que o sono os raptasse de vez.