O desejo. Paira à minha volta voando em movimentos de asas aflitos como uma pomba a pousar. Eu sentado no meio tento abstrair-me do barulho incomodativo e ouvir só o mar. Não o consigo vislumbrar mas o seu cheiro chega até mim ainda húmido por isso não pode estar muito longe. Não precisava necessariamente de chegar lá, o saber que ele estava ali bastava-me, mas não o oiço.
Levanto-me e solto-me das metáforas e eufemismos. Acerco-me a um precipicio e lá ao fundo vejo o mar. Cerro os olhos e inspiro pesadamente. Vou gritar, vou fazer-me ouvir até me queimar a voz, deitar cá para fora o que me atormenta o coração, o que sinto, o que tu és para mim. Vou gritar! Mas no ultimo instante prende-se-me a voz e já não grito. Vejo um velho autoritário a manter-me a boca fechada enquanto me aponta a sua própria boca com um dedo reprovador. Não! Não quero mais palavras de pintar, desta vez vou gritar vou dizer tudo com todas as sílabas. A vergonha e o medo de fazer algo que não quero é que me amarram a voz impedindo-me de te gritar. Mas vou-te gritar, fazer-te ouvir de uma vez por todas o que a mim me atormenta que não saibas. E nesta hesitação deixo que voltem sobre mim as dúvidas, negras como gralhas o seu barulho agoirento invade-me agora.
E se ela não quer ouvir, e se o que tu sentes não é real, e se... Raios! Esbracejo e afasto-as de novo. Chego-me à ponta do precipicio encho o peito de ar e inclino a cabeça para que tudo o que eu diga te chegue. Desta vez nem chego a encher-me de ar para gritar, sento-me na borda e olho o mar ao fundo. Então decido-me a perder a inibição lentamente. Olho o infinito e como se estivesses agora a meu lado começo a falar. De inicio só sibilo palavras sem som, como quem põe um pé na agua antes de entrar para ver se está fria. Depois começo a falar baixinho, conto-te como sinto a tua falta, como a tua imagem se me afigura vezes sem conta, da maneira como as minhas mãos tremem pedindo a presença das tuas, de como passo a vida a morder os lábios procurando algo em que eles já pousaram, falo-te de mim, da minha vida sem ti, e da falta que sem querer me fazes. Então, calmamente, levanto-me e falo um pouco mais alto, explico-te o quão importante és para mim, e que independentemente da tua vontade te tornaste algo que representa muito para mim, que conseguiste reparar algo que estava irremediavelmente condenado, trouxeste sol onde tudo era negro.
Respiro fundo, e grito a plenos pulmões " Gosto de ti!". Sinto uma gota de suor escorrer-me pela testa, sento-me cruzando as pernas e olhando o nevoeiro que se formou com as minhas palavras espero pacientemente que dele saia um grito de resposta.