segunda-feira, setembro 26, 2005

(im)Perfeito

Estou sentado num cais sozinho à noite. O rio lentamente trás me a memória do mar enquanto se balança contra o meu chão. A lua fugiu para as minhas costas e não mais a vejo. As estrelam dançam pausadamente no negro da noite ao ritmo da água. Um momento perfeito, a condição única de um cenário singular numa noite excepcional com um som inédito. E a solidão tornando-me o único mortal que assiste a um espectáculo feito à minha medida. Perfeito.
Mas a vida contou-me tudo sobre a perfeição, como ela é horrivel e nojenta, como nos engana com um sentido de segurança que não teremos, como nos dá confiança de sorrisos amarelecidos por sentimentos ocos. Dizem-me que a perfeição nao existe, que nada é ou será perfeito. Mas enganam-se, nunca a vida lhes contou como me contou a mim. A perfeição existe para nos mostrar o quão imperfeita é. Não há vidas perfeitas, não há pessoas perfeitas nem amores. Dá-nos a segurança para que depois o tapete desapareça e nos caiamos desamparados, dá-nos a confiança para a poder queimar dentro de nós deixando cinzas negras e que nos impedem de respirar. Mas nem tudo é mau na perfeição, ela dá-nos a hipotese de olhar-mos para algo imperfeito e sentirmos que aquilo é belo, que podemos melhora-lo sempre tentando mas nunca atingindo a perfeição.

domingo, setembro 25, 2005

Diálogo Apaixonado nº5

O desejo. Paira à minha volta voando em movimentos de asas aflitos como uma pomba a pousar. Eu sentado no meio tento abstrair-me do barulho incomodativo e ouvir só o mar. Não o consigo vislumbrar mas o seu cheiro chega até mim ainda húmido por isso não pode estar muito longe. Não precisava necessariamente de chegar lá, o saber que ele estava ali bastava-me, mas não o oiço.
Levanto-me e solto-me das metáforas e eufemismos. Acerco-me a um precipicio e lá ao fundo vejo o mar. Cerro os olhos e inspiro pesadamente. Vou gritar, vou fazer-me ouvir até me queimar a voz, deitar cá para fora o que me atormenta o coração, o que sinto, o que tu és para mim. Vou gritar! Mas no ultimo instante prende-se-me a voz e já não grito. Vejo um velho autoritário a manter-me a boca fechada enquanto me aponta a sua própria boca com um dedo reprovador. Não! Não quero mais palavras de pintar, desta vez vou gritar vou dizer tudo com todas as sílabas. A vergonha e o medo de fazer algo que não quero é que me amarram a voz impedindo-me de te gritar. Mas vou-te gritar, fazer-te ouvir de uma vez por todas o que a mim me atormenta que não saibas. E nesta hesitação deixo que voltem sobre mim as dúvidas, negras como gralhas o seu barulho agoirento invade-me agora.
E se ela não quer ouvir, e se o que tu sentes não é real, e se... Raios! Esbracejo e afasto-as de novo. Chego-me à ponta do precipicio encho o peito de ar e inclino a cabeça para que tudo o que eu diga te chegue. Desta vez nem chego a encher-me de ar para gritar, sento-me na borda e olho o mar ao fundo. Então decido-me a perder a inibição lentamente. Olho o infinito e como se estivesses agora a meu lado começo a falar. De inicio só sibilo palavras sem som, como quem põe um pé na agua antes de entrar para ver se está fria. Depois começo a falar baixinho, conto-te como sinto a tua falta, como a tua imagem se me afigura vezes sem conta, da maneira como as minhas mãos tremem pedindo a presença das tuas, de como passo a vida a morder os lábios procurando algo em que eles já pousaram, falo-te de mim, da minha vida sem ti, e da falta que sem querer me fazes. Então, calmamente, levanto-me e falo um pouco mais alto, explico-te o quão importante és para mim, e que independentemente da tua vontade te tornaste algo que representa muito para mim, que conseguiste reparar algo que estava irremediavelmente condenado, trouxeste sol onde tudo era negro.
Respiro fundo, e grito a plenos pulmões " Gosto de ti!". Sinto uma gota de suor escorrer-me pela testa, sento-me cruzando as pernas e olhando o nevoeiro que se formou com as minhas palavras espero pacientemente que dele saia um grito de resposta.

terça-feira, setembro 13, 2005

Diálogo Apaixonado nº4

Deitado de costas para o mundo vejo um céu negro polvilhado de estrelas das quais não sei o nome mas que se me afiguram como figuras de todos os feitios. Imagino formas não por inocência ou por procurar algo que me traga a minha infância mas porque unindo os pontinhos das estrelas posso criar algo que não tenho a meu lado nesta minha solidão. o vento urra à minha volta e o frio envolve-me num abraço de gelo. Estendido sobre o chão no negrume da madrugada procuro agora uma resposta na minha cabeça. Dou voltas e voltas tentando fazer o que é melhor, mas a definição de melhor rodopia-me sobre a cabeça em anseios e divagações que não consigo interpretar. Vejo de novo uma estrela a voar ao longo do céu. Já passaram por mim hoje dezenas delas, de tal modo que a excitação passou a indiferença e a indiferença a irritação por me rasgarem o céu em cima. Passam sem olhar para mim por um segundo, seguem o céu caminho sem se importarem comigo. Mas deixam-me o risco dourado nos olhos como prova da sua passagem. O risco que me deixaste tu foi muito maior. Atravessa-me o coração num rubor vivo sobre o vermelho desgastado do pequeno músculo. Mas ru por oposição às dezenas que passam por mim não me deixas irritado e muito menos indiferente. Por vezes nos momentos de mais inquietação faço me crer que sim, mas a verdade caí certa como machado e atira-te para o meu coração. Por isso me escondo agora no escuro, porque receio a verdade das estrelas cadentes, que tu também passes indiferente a mim e me deixes apenas o risco para me provar que passas-te pelo meu coração.

pa Ritinha