sexta-feira, junho 15, 2007

A Princesa das Pérolas [Conto Infantil]

Há muitas marés atrás havia um reino rodeado de mar por todos os lados e que tinha um castelo feito de corais. Nesse castelo havia uma torre alta como o voo de uma gaivota, toda pintadinha de vermelho e branco para que as gaivotas não batessem lá quando passassem. Lá vivia um príncipe chamado Gaio Gaivota. Chamava-se assim porque vivia muito sozinho na sua torre e a única companhia que tinha eram as gaivotas. Como cresceu naquela torre, aprendeu mais depressa a falar com as gaivotas do que com outros humanos. Mas ele gostava muito delas, e a sua melhor amiga chamava-se Pena d’Asa. A Pena voava todo o dia e à noite vinha-lhe contar tudo o que via. Durante o dia o Gaio sonhava voar com a sua amiga Pena. Mas nunca podia sair do seu castelo. O seu pai, o rei Mauro Mar, tinha medo que alguém lhe levasse o filho ou tentasse fazer-lhe mal. Era o seu único filho e um dia viria a ser o rei de toda a Terra do Mar. E por isso Gaio só tinha amigas gaivotas.

Mas o rei que era muito mandão um dia decidiu pôr uma notícia na porta do castelo e mandou dizer em todo o reino.

“A todas as donzelas,” começava o texto, “eu o Rei Mauro Mar decidi que esta é a altura certa para o meu filho Gaio Gaivota encontrar alguém digno de se chamar Princesa. Mas como o meu filho não conhece nenhuma donzela a sua selecção será feita através de um presente que cada donzela deste reino oferecerá ao meu filho. “

Toda a gente se precipitou num grande alvoroço e durante alguns meses muita gente dedicou-se inteiramente a tentar fazer algo de muito exuberante.

Mas tudo isso passava ao lado de Gaio que vivia lá em cima acompanhado das suas amigas gaivotas que nada sabiam do assunto.

Um dia a Pena chegou mais cedo do que era costume. Gaio ainda estava a dormir a sesta quando o bico dela bateu na janela cheio de entusiasmo.

-Olá Pena – disse o Gaio – Vens muito cedo hoje!

-Tenho uma coisa importante para te contar – respondeu a Pena – Hoje estava a voar na Praia das Conchas quando vi uma menina muito triste a chorar.

-Porque é que ela chorava, Pena? - Perguntou o príncipe muito preocupado.

-Não sei! - Respondeu a Pena muito envergonhada – Ela andava a caminhar na areia e cantava uma canção do mar enquanto olhava para o chão e deixava cair lágrimas. Percorreu toda a praia assim e depois subiu de volta à vila e eu não a vi mais.

- Era uma canção triste? – Perguntou ele

-Eu não percebia o que ela dizia, mas parecia a música das baleias quando ficam perdidas na praia – disse a pequena gaivota de penas cinzentas.

E ficaram os dois a imaginar porque é que a menina chorava até a lua os mandar irem dormir.

No dia seguinte mal almoçou o príncipe Gaio pediu para sair da mesa e subiu a correr as escadas para o quarto. Abriu a janela e pôs-se a olhar o céu procurando Pena. Passaram nuvens com muitas formas, mas o Gaio só queria que chegasse a sua amiga gaivota. Falou com outras gaivotas mas nenhuma tinha visto a Pena. O sol foi caindo devagarinho e a Pena nunca mais aparecia.

Veio a hora de ir jantar e até o Rei Mauro reparou que algo se passava com o Gaio. Mas ele comeu rapidamente para voltar de novo para a janela. Quando acabou de subir as escadas e chegou ao seu quarto já a Pena lá estava. Ele logo abriu a janela e disse:

-Até que enfim!

- Não foi culpa minha. Hoje o vento soprava forte como um tubarão. – Desculpou-se a gaivota.

- E então viste-a de novo? – Perguntou o príncipe entusiasmado.

- Vi! - Respondeu-lhe a Pena – Mas ainda estou mais confusa do que ontem!

-Porquê?

- Por muita coisa – começou ela – Eu estive na praia quase o dia todo mas hoje ela só apareceu mais tarde. Quando chegou, vinha com um cesto castanho. E começou a olhar para o chão e apanhar o que de princípio me pareciam conchinhas. Tentei aproximar-me para ver melhor mas o vento não deixava.

-E depois? Viste o que ela apanhava? – Perguntou o Gaio curioso.

- Não vi, mas o cesto parecia cheio de olhos de peixe, ou ovos de rã. – Respondeu a Pena desapontada.

-Aposto que eram ovos de caranguejo! -respondeu o príncipe que não percebia nada do mar.

-Não, tontinho, os caranguejos nascem no mar!

- E ela chorava? - Perguntou ele.

-Não! – Respondeu a gaivota enquanto se sentava na cómoda. – O mais estranho é isso, ela hoje parecia tão feliz.

- Gostava tanto de a conhecer. Mas como?

-Ela não tem asas – respondeu a Pena enquanto abanava as suas para exemplificar – e tu nunca sais daqui.

-Já sei! – E dito o isto o Gaio correu pelas escadas a baixo esquecendo-se que a sua amiga gaivota não o podia seguir.

3 marés depois, num dia de muito sol, uma donzela chamada Catarina Conchinha chegava a casa depois de mais um dia a fazer roupas para muita gente. Era costureira, fazia mil e uma roupas. Desde meias a vestidos. Mas como viviam numa ilha e havia poucos materiais a Catarina fazia tudo a partir de coisas do mar. E não fazia coisas nada feias. Vestidos de algas azuis, camisas com botões de búzios, e até chinelos de conchas de mexilhão.

Ora numa tarde a Catarina chegou a casa e encontrou dois guardas do reino à sua porta. Ficou logo muito assustada, e mais ainda quando eles lhe disseram que tinha que ir ao castelo porque o rei queria vê-la. Pelo caminho foi pensando que sempre se tinha portado bem e que nunca tinha feito nada de mal e por isso não sabia porque quereria o rei falar com ela.

O que ela não se lembrou foi que tinha feito um fato para o jovem príncipe. Por ordem do rei Mauro. Era um vestido com escamas de atum polidas, e que ao sol brilhava tanto que até magoava os olhos. Fez-lhe também uns sapatos pretos de tinta de lula e uma camisa de pele de tubarão. A jovem Catarina tinha-se aprumado a sério no fato do príncipe porque achava que ele devia viver uma vida muito sozinha naquele castelo sem ninguém. Houve alturas em que gostava de ter asas para voar até lá em cima e falar com ele.

Chegada ao castelo foi para a sala do Rei onde ele estava sentado num grande trono de coral. A Catarina ficou de boca aberta com aquela sala tão bonita. As colunas estavam cheias de conchinhas e em cada lado da sala em cada uma das janelas havia um aquário com plantas e muitos peixes que faziam com que a sala parecesse estar no fundo do mar. Um peixe balão encheu-se de repente e a Catarina viu entrar o Grande Rei Mauro, seguido por um rapaz que nunca tinha visto. Era bonito. Os olhos dele eram da cor da areia molhada e o cabelo da cor do fundo do mar. O sorriso dele era o de um golfinho saltitante. Só depois reparou que trazia vestido o fato que ela fizera. A cara dela apanhou um escaldão de repente. Então o Rei falou:

- Aproxima-te Costureira Catarina Conchinha. – Disse ele com uma voz de peixe-espada

Ela aproximou-se um dos guardas trouxe uma cadeira feita de ossos de baleia para que se sentasse.

-O meu filho gostou muito do teu fato – continuou o Rei – mas ele queria-te fazer uma perguntas por isso vou-te deixar a sós.

E dito isto o Rei Mauro saiu e deixou-os sozinhos. Ai a Catarina viu uma gaivota sair detrás de um dos aquários e ir para a beira do príncipe. As pessoas diziam que ele falava com as gaivotas mas ela nunca acreditou. Mas agora pareciam estar a falar.

- Vai lá! Fala com ela. – Dizia a Pena ao príncipe.

-Tenho vergonha – respondia ele – e se ela não gosta de mim?

- Mas tens que saber porque ela chorava.

-Mas ela é tão bonita, não percebo como uma donzela tão bonita chorava. Olha para os cabelos dela, parecem o mar quando se enrola junto à areia.

-Vai lá.

E o príncipe ganhou coragem e foi. Calcando os seu sapatos novos foi até junto da jovem costureira que parecia tão assustada que ele tinha medo de falar e a sua voz parecia não querer ajudá-lo quando fez a pergunta:

-Porque choravas no dia antes de apanhares estas bolinhas? – e apontou para os botões.

Ela riu-se tanto que se esqueceu onde estava enquanto ele olhava para ela sem saber o que fazer.

-Essas bolinhas são pérolas, e a razão porque eu chorava são elas mesmas. - O príncipe parecia ainda mais confuso – A minha bisavó ensinou-me a fazê-las quando eu era ainda do tamanho de uma gaivota. Eu deixo cair lágrimas na areia e o vento e o sol e o sal encarregam-se do resto.

A cara do príncipe abriu-se como o sol no meu de uma tempestade do mar.

-Então era por isso que cantavas a canção das baleias, para conseguires chorar? – Perguntou o Gaio sorrindo.

- Sim!

E ficaram os dois a conversar até o rei Mauro voltar com o convite para jantar. 3 luas depois casaram-se na praia das conchinhas. Ela costurou um grande vestido com penas de gaivota que a Pena e as suas amigas gaivotas lhe deram. Ele usava o fato que ela lhe deu, e uma pulseira de pérolas que ela lhe fez nos dias em que esperava o casamento. Todo o reino gritou vivas ao Príncipe Gaio Gaivota e à Costureira Catarina Conchinha, Princesa das Pérolas. Depois de casarem viajaram nas costas de uma baleia e viram muitos lugares, até que voltaram à torre do castelo onde são tão felizes como grande é o mar.

segunda-feira, junho 11, 2007

Amor de Comboio

Árvores voavam a toda a velocidade na janela. Não que ela as visse, os seus olhos fechados empurravam-lhe a cabeça para baixo em várias tentativas de lhe fixar o sono. Era incrível como se estivesse fora da cama tudo o que queria fazer era voltar para lá. E como quando lá estava estava eternidades a olhar o candeeiro em forma de globo. Nunca gostara dele e atribuía-lhe agora as culpas das noites mal dormidas. Quando se mudou para casa dele queria-o ter trocado. Mas ele era tão intransigente em certas coisas. Como nestas viagens de comboio ao sábado. Estava farta mas cada vez que tocava no assunto acabavam sempre por elevar a voz mais do que era costume. Mas a sua inaptidão para discutir levava a melhor sobre a sua oposição a estas viagens. Por isso acabava sempre por deixar que o sono lhe escondesse a face enquanto ele à sua frente brilhava os olhos ao mundo que passava furiosamente rente ao vidro. Só não sorria por vergonha. Mas a alegria era a de um miúdo de 5 anos aquando do seu gelado semanal. Os dois pares de pés cruzavam-se num abraço de pernas. Estavam frente a frente e os olhos dele fugiam na direcção dela muitas vezes. Aí não era capaz de conter o sorriso. Mesmo com as pálpebras dela a negaram-lhe o olhar, a sua expressão adormecida explodia-lhe no coração como o tinha feito da primeira vez que a vira. Madeixas caiam-lhe sobre os olhos e o lábio indeciso escondia-se sob um dente medroso. A respiração ondeava-lhe o peito decotado. Da primeira vez os olhos fugiam-lhe perigosamente para lá e o suor nas mãos parecia suficiente para dar vida a um deserto. Quando relembrava esses momentos em frente à beleza dela parecia-lhe que tudo fazia sentido, a vida em comum bem como a sua própria. Uma senhora mais mecânica que simpática anunciou-lhes o fim da linha. Ele levantou-se, arrancou-lhe os dedos refugiados entre os joelhos e puxou-a em direcção à porta contagiando-lhe o sorriso junto ao vento solarengo.