segunda-feira, julho 18, 2005

Diálogo Apaixonado nº3

O frio vento bate-me na cara.Estou sentado no muro, a minha face imóvel ao vento que me abana, eu permaneço estático como uma estátua na proa de um navio. Mas não é o mar que vejo defronte de mim. À minha frente o rio escorre-se por entre cabos proeminentes, segue salpicado de gaivotas que abandonaram o mar. Vejo a outra margem e cobiço-a. Como queria estar do outro lado. A vista seria praticamente a mesma, a simetria do rio mas tudo mudaria. Do outro lado tudo é belo, tudo se torna feliz. Olho as pessoas da outra margem enquanto elas sorriem nitidamente alegres fazendo de propósito para que as inveje. Sorriem-me mas tudo que vejo é um olhar de dedém, como se estivessem rindo da minha desgraça.
A saudade (será que é saudade? poderei eu chamar-lhe saudade?) amarga entranha-se-me na pele e retira dela toda a sensibilidade. Deixo de sentir o frio ou o quente. Deixo de sentir os odores e até mesmo os sons. Sinto-te só a ti. Sentada com a luz acesa escreves-me. Contas-me dias, trazes-me amigos, dás-me sentimentos. Eu rio-me contigo, dou-te um carinho que não posso, esforço-me por te fazer sorrir. Só o teu sorriso me traz os sentidos de volta. Abrasa-me aquecendo-me o coração, estica-me os lábios através da face e incoscientemente sorrio contigo. Mas o rio vem e traz-me de volta à minha margem. Quero gritar a plenos pulmões o que sinto por ti. Grito-o constantemente ao teu ouvido num sibilar amedrontado mas certo do que digo. Uso palavras diferentes mas o sentimento não muda. Para que grito eu afinal? Ouves-me tu? E se me ouves não saberás já o que te grito? A verdade do meu sentimento há muito que por ti foi reconhecida, eu não duvido dela, então por que a faço passar em torrnetes de ar pelas cordas da minha garganta? Porque me atravessa ela a ponta dos dedos em números desmedidos. Não, não é para que acredite nela como tu pensas(ou receias?). Procuro entender-me mas não vejo explicação para algo que me sai espontaneamente. Torço-me todo em questões que não me levam senão ao desespero da razão. Deixa o meu coração mandar um bocadinho. Eu sei que não gostas da repetição de algo tão evidente e que partes para conclusões mais apressadas para que nelas possas entender o meu redondo patrão. Sim, eu sei que tens razão e tento não o fazer, tento ser sensato, ser mais cabeça. Mas quando o coração for maior deixa-o, e não o entendas, sente só.
Ainda com o sorriso na cara ergo-me perante o rio limpo os olhos marejados do vento e de ti, sempre sorrindo. Levanto-me, largo o banco e volto à minha quente gruta. Desligo as luzes para que te veja melhor. Tu escreves-me e sorris, eu sorrio. E também isso me faz ter certeza do que o coração fala. Choro contigo e por ti, mas o sorriso no fim estampa-se na minha face e assim sei que te adoro.

sexta-feira, julho 15, 2005

Devaneios flutuantes/ Ensaio

Acordo envolto em água, uma toalha cobre-me os ombros. Cada pequeno pelo branco toca-me o corpo desnudo por baixo do manto. O meu cabelo pinga para o chão uma mistura de àgua e suor. Levanto a cabeça procurando o lugar onde estou. O chão está coberto de madeiro, à minha volta vejo o salpicado de pequenas poças de mim. O ar toma a tonalidade âmbar da madeira e respiro o castanho. Um telhado branco cobre o céu que adivinho negro. Não vislumbro qualquer parede para além do manto que cobre as extremidades da madeira. Duas luzes amarelas empoleiradas nos dois cantos opostos criam dois cones amarelos que iluminam a capela. Levanto-me deixando a toalha no chão. Sinto os músculos esticarem enquanto os ossos resmungam estalos agoirentos. Quanto tempo terei estado a dormir? Não vejo vivalma e os únicos sons que ouço são os grilos e as cigarras cantando músicas obsoletas. Olho de novo o chão e tento perceber o seu fim. O brilho do verniz faz-se notar pelo cheiro incisivo que me entra pelas narinas. Os meus pés quentes deixam auras baças no chão. Caminho lentamente sentindo a solenidade do meu acto. O pé a despegar-se da terra largando a gravidade no ar; o ar a ser cortado pelo calor que emana de mim; o implantantar de novo, a queda para que o outro pé possa também viver, andar de novo.Perco-me em voltas lentas observando a beleza do meu andar. Quantos morreram para que o ser humano conseguisse andar? Que graciosidade tem o meu andar. Estaco de repente. E se dançasse? Não sei dançar... Mas o que é dançar? Será que exige saber? Já o andar em si é uma dança.Sinto a euforia a crescer no meu peito e sem medo entrego-lhe o meu corpo.
Ele do nada voa.Assumo a posição de voo e no zénite da minha trajéctoria o tempo pára, o ar que me atravessa engrossa para cimento e eu fico parado no ar.Os braços abertos as pernas esticadas do salto. Não sei quanto tempo passo assim mas de súbito um vento demoníaco vem
e atira-me para o chão. Eu supreso não tenho tempo de aparar a queda e espalho-me no chão como morto. Rebolo e fico de fronte para o tecto branco. Respiro em soluços abruptos e o meu corpo queixa-se sonoramente. O sabor vermelho do sangue acorda-me a língua . Levanto-me a custo e começo a andar, vou sair deste inferno. Coxeio ainda da queda e não mais danço o andar.
Chego ao fim do estrado de madeira e olho o abismo. Salto e logo os meus pés encontram o frio da relva orvalhada. Caminho desajeitadamente enquanto a minha pele se arrepia com o frio que a cobre. Olho de novo a casa aberta e fixo o olhar na toalha. Dou meia volta e corro para a apanhar. Tropeço numa madeira proeminente e o meu pé incha desmedidamente. Agarro a ponta da toalha e imediantamente corro de volta para o exterior só me sentindo seguro quando os meus pés tocam a relva de novo.
Sinto a inclinação a aumentar e sou obrigado a reduzir a velocidade para não cair. Sinto os músculos das pernas a arderem-me e deito-me na relva molhada. Enrolo a toalha à minha volta e faço-me rebolar pela pequena colina. Chego ao fundo e sinto a areia a envolver-me. Então vejo água à minha frente. Lembro-me porque estou aqui. De novo memórias me atravessam, uma e outra vez e sinto a raiva a crescer dentro de mim. Uma agonia triste e revoltada invade-me e trinco o lábio para não chorar de nervoso. MAs a irritação permanece dentro de mim esperando, aguardando, olhando-me com os seus olhos de lobo. Sinto o meu corpo entrar em frémito e cada músculo começa a tremer em nervosismo. Então como uma bomba o meu corpo explode, as lágrimas atravessam-me os olhos, e então a dança recomeça, uma dança irada, cheia de raiva. Os meus punhos esmagam a areia, as minhas pernas voam em direcção à relva e os meus dedos arrancam cada caule verde que se atravesse no meu caminho, sinto a água a descer-me o queixo e o cheiro do sangue povoa o ar. Continuo em batalhas com o ar atirando-lhe todas as minhas frustrações. Até que perco todas as forças. Caio ao chão puxo a toalha e nela me envolvo até que durmo.


Devaneios Flutuantes - Luisa Amaro e Mario Carvalhinho in Canção para Carlos Paredes
Ensaio - Toranja in Segundo

segunda-feira, julho 04, 2005

Diálogo Apaixonado nº2

Ao longe o mar ruge tremendamente. A lua já não se vê, apenas o manto negro que me cobre. Frio, um frio de morte que me enregela os olhos. Caminho com o mar durante alguns minutos, o tempo que levo a chegar ao banco vermelho. Lentamente aproximo-me do banco enquanto sinto a solenidade no ar, o lugar é sagrado, todo ele envolto em misticismo. Sento-me e sinto o ranger da madeira já velha, recomenda-me que não lhe pese demasiado para que possa descansar com a noite também. Não mais faço algum som, limito-me a contemplar o mar. Só lhe vejo o branco da espuma raivosa a espalhar-se na areia dourada. Sem saber muito bem como venho aqui parar à dias, consecutivamente, sempre a este banco velho que muito me diz. Entre mim e o mar surge o mastro de um navio que não existe. Na ponta já habitou a luz mas agora já reformado contempla o mar apenas. No mastro verde dois números alvos na noite escura. Eles trazem-te a mim. Agora sinto-te aqui sentada a meu lado aninhada no meu calor, eu protejo-te da noite fria. Sorrio já por te ter a meu lado mas uma tristeza inexplicavel consome-me o coração. Ignoro-a e continuo feliz.
Olho-te a meu lado e sorrio por te ver. No meu interior tento descrever-te. Cada sentido é acompanhado pelo seu momento perfeito, algo que torna o sentido sentido.Torna o som som, a visão visão. A perfeição definidora algo que por ser tão belo cria o nome que define as sensações. O vermelho fogo das nuvens num céu roxo de por do sol, o som do sibilar ao ouvido deitado sobre a relva, o toque da casca de um carvalho solitário numa praça movimentada, o doce quente de um chocolate que se deixa derreter na boca, o cheiro puro de uma mão amada. As definições de sentido, tu, és a definição do sentido do coração. Daquele que é uma mescla de todos eles e ao mesmo tempo desprovido de todos eles, independente da beleza, do sabor, do cheiro, do tacto de uma pessoa. Tu és a definição desse sentido, toda tu beleza no conjunto dos sentindos e na ausência de todos eles. O meu sentido, a minha snsação única que me diz estar vivo. Podia não ver, não ouvir, não tocar, não saborear, não cheira mas se te sentisse eu viveria e vivo contigo.
Tu levantaste já cansada e eu agarro-te a mão. Caminhamos ao longo do mar já os dois. As pessoas olham-me perplexas. Não te veem a ti. Olham-me só a mim com o desprezo. Não to ofereceriam a ti nunca, só eu sou digno dele. Então mais uma vez a tristeza me impede de olhar o mar, o coração aperta-se me e baixo a cabeça ao chão. Um sobressalto corre-me de alto a baixo. Levo as mãos à cabeça enquanto esta furiosamente corre todo o chão em redor à procura da tua sombra, de outra sombra que não seja a minha. O desespero abate-se sobre mim e acabo de joelhos no chão como rezando a um deus que não vem. Agora tudo faz sentido, a tristeza, os olhares de desprezo, tudo. Retomo o meu caminho, mas a saudade aperta-me a alma e choro por não te ter aqui comigo. Fazes-me falta, muita falta..