quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Monólogo Desapaixonado nº4

A noite veio já sobre a cidade. Ainda não se estende friaem todo o seu esplendor, mas as luzes amarelas já dominam. Eu ainda caminho sem destino.A noite protege-me de quem se vai cruzando com os meus passos e permito-me por isso a viajar de cabeça erguida e com os olhos levantados. Olham as faces que passam sem o minimo interesse. Vou caminhando até que um olhar se cruza e leio nele o destino de quem o tranporta. está em branco , como o meu. Sorrio inevitavelmente como reconhecendo uma companheira de viagem. Naquele instante vemo-nos como iguais, mas ambos seguimos o nosso rumo. Os meus passos são obrigados a parar mais adiante com um homem vermelho. Enquanto espero pelo verde sinto a figura com quem me cruzei parar também a meu lado. Porque terá ela voltado para trás? Pensando racionalmente se elea também não tem o destino pode seguir por muitas ruas, voltar atrás, parar para vislumbrar um caminho melhor. As minhas reflexões esbatem-se quando vejo a mão dela aproximando-se da minha. O sinal verde aparece então e eu acelero atravessando a ua e os meus passos afastam-se da mão que se me aproximava. Caminho tão depressa que a minha respiração irrompe com violência. Ao virar de uma esquina chego mesmo a correr para fugir. Com a cabeça longe os pés tomam a condução e quando volto estou já num jardim deserto. Sento-me e deixo a respiração voltar. Porque fugi? A iminência da mão explodiu-se no meu coração e não mais pensei. Não aguentei que ela talvez pensasse que por ambos partilharmos o destino em branco pudéssemos seguir para ele juntos. Não teriei eu imaginado a mão aproximar-se? Tenho falta de carinho e no entanto rejeito-o sem esperar para ver os seu efeitos. Trago os joelhos ao peito e os meus olhos fitam o negro. Com o quente da emoção ainda a passar-me nas veias, fico aninhado até que possa seguir com a respiração compassada.

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Monólogo Desapaixonado nº3

Acordo com o sol a acariciar-me a cara. Fecho os olhos e inspiro a humidade matinal. O rebuliço da cidade bate-me aos ouvidos ordenando-me que me junte à multidão atarefada, impelindo-me a agitar o meu acordar.Levanto-me calmamente do chão deixando nele a memória da noite passada com a velha cana. Deixo que durma e sacudindo pó parto de novo para a rua. Ainda sonolento e com os reflexos adormecidos sou empurrado e espremido. Vidas agitadas passam por mim a correr. Quero correr também para a minha vida mas rasguei à muito o meu destino e limito-me a deambular por entre a gente. Olham-me com surpresa e eu remeto o meu olhar para o chão. Olham-me porque não corro como elas querem. Todas vivem um guião que lhes foi passado pelos pais e que eles só ousaram riscar e corrigir na adolescência rebelde. Agora seguem o seu rumo cegamente sem questionar qualquer deixa. Destrui o meu quando um papel não foi preenchido. A actriz principal recusou-se a entrar no meu filme e libertou-me do peso das ordens do guião. Mas elas olham-me tão intensamente que me vejo obrigado a parecer atarefado. Não cumprindo o meu guião, mas o deles. Fito ainda o chão. Submisso remeto-me ao meu papel de figurante. Quando todas as personagens abandonam as ruas para irem para outro cenário volto a caminhar lentamente e sem destino. Ainda não sei o que procuro mas as pernas continuam a andar e já não tenho forças para as parar. Talvez procure um papel para mim. Um que não seja de figurante. Um papel que me dê oportunidade de ganhar um novo filme. Até lá vou seguindo sem destino fazendo de figurante quando me obrigam. Talvez até seja melhor assim. Pelo menos não tenho que decorar falas.