Voar III
Poucas horas depois de se ter deitado a mão veio bater-lhe na porta obrigando-o a levantar-se. Mal dormira a noite toda e isso fazia-se notar nas grandes olheiras que lhe rodeavam os olhos. Os bocejos sucediam-se enquanto se dirigia à casa de banho tentando não bater contra as paredes. Com o cabelo ainda a pingar sentou-se à mesa enquanto a mãe rapidamente lhe pousou duas torradas no prato.
- Despacha-te ou vais perder o autocarro. -Disse a mãe enquanto se preocupava agora com o seu pequeno-almoço. Ele muito rapidamente devorou as torradas empurrando-as com o iogurte líquido. Ainda a mãe não tinha acabado todas as suas recomendações do dia já ele tinha saído porta fora. Teve de correr como se fosse uma medalha de ouro que o esperasse e não o velho autocarro que por pouco não perdeu. Sentou-se no banco enquanto fitava a janela. O que via na realidade era a cara dela. O sono que lhe fechava agora os olhos era culpa da beleza dela que tinha passado toda a noite a admirar. Deixou-se ficar no estado meio adormecido sem reparar que no vidro algumas pingas se iam acomodando na viagem. Por fim o autocarro chegou ao destino e ele saltou ainda meio a dormir. Desceu então a rua sempre encostado aos prédios que se erguiam contra a chuva e só parou quando viu o pequeno edifício castanho. Entrou ainda ensonado e dando os bons dias ao patrão foi de imediato buscar as coisas para limpar a loja antes que o patrão lhe atirasse com o olhar de novo. Depois de aberta a porta sentou-se no banco que o balcão escondia e iniciou a longa actividade de esperar quem nunca vinha.
Quando finalmente a porta se voltou a fechar, desta vez atrás dele, ele correu para as traseiras do prédio castanho. Sentou-se numa caixa de cartão que cedeu ao seu peso. Mas ele olhava já o céu. Sempre atento à espera que o seu cabelo negro viesse a cortar o céu. Enquanto olhava o céu azul e o tempo passava pensou como tudo se tinha passado, e como seria se não se tivessem um ao outro. Enquanto pensava isto um barulho ao seu lado assustou-o, e com o seu movimento assustado a caixa cedeu e ele caiu desamparado no chão. Ao olhar para cima viu o sorriso que lhe era tão familiar olhar para ele.
-Eu sabia que te derretias por mim mas não era preciso tanto - disse ela enquanto ajudava a subir de encontro à sua boca. Enquanto se beijavam ele sentiu o peito encher-se amansar de novo depois do ardor que lhe deixou o susto. -Vamos? - perguntou ela dando-lhe a mão. E com o acenar da cabeça correram ambos até não passarem de duas estrelas no céu que começava a anoitecer.