quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Como quem diz*

Há aquela respiração ofegante ao fundo. Tudo escuro. Tudo escuro e negro. Um ribombar bate-me ciclicamente nos ouvidos. Talvez o meu peito descontrolado ou um céu enervado. Fraco. Não sou fraco, mas sinto-me sem forças. Cheira a vómito. Espasmos, um e outros. Respiro com mais força. Ao fundo silêncio. Decido não chorar. Não me consigo limpar, não me consigo tocar. Preso, enclausurado, enjaulado, algemado, acorrentado. Cansado. Decido apertar os punhos. O comando chega ás minhas mãos com pesado atraso. Pesado. Apercebo-me que sou tremendamente pesado. Não me consigo suster. Sustenho de novo o vómito. As pálpebras dançam-me nos olhos para evitar o pior. Doi-me as costelas, mas não sei porque não lhe consigo tocar. Os olhos não sabem ver o nosso corpo. Vem tudo o resto menos o corpo que os comanda. Não consigo comandar o meu corpo. Doi-me tudo. Doí-me a alma. Doí-me o respirar. Dou-me a respirar. Esforço-me para não chorar. Grito. Grito ferrugem. Palavras que me saem esganiçadas e partidas. Partidas de mim por não me pertencerem. É tudo dor e negro. Respiro.
Há uma janela quadrada, dividida em quatro quadrados. No quarto quadrante há uma árvore contra o sol. Não vejo senão a sombra de tudo isto. Como platão. Como alguém de Platão. Eu não sou ninguém. Ninguém de ninguém. Chove. Nos meus ossos directamente. Fecho os ohos e a sombra grava-se no meu olhar. Vejo o negativo de um negativo. O queimar lento da luz contrária as imagens que se definem nas minhas costas. Não é real. Não sou real. É uma realidade aproximada por defeito. Como o meu defeito amarrado a estas correntes. O meu corpo defeituoso como qualquer um. Esforço-me para não sangrar. Choro só.


*Bernardo Sassetti Trio - Ascent, Trem Azul