Apartarte
Gravar-me e escutar-me. Pegar nisto e escreve-lo sem olhar para o que sinto. O que sinto é talvez nada mais que o calor de um sol imundo afastado pelo vento da distância. Depois vem-me o espanhol à cabeça. Apartarte. Desfazer-te em partes como me apeteça. Uma parte de sorriso, uma parte de sorriso banhado a lágrimas, uma parte de lágrimas, uma parte de dentes a ranger. Parto-te assim, e fecho cada parte num cofre. Depois, à noite enquanto o gato da frente me olha arregaçado, abro os cofres, um em cada noite como os chocolates de natal. Mas é a tua face que encontro gravada em todos eles, não há brinquedo que te substitua, ou doce que te eclipse. E deixo-te sair, partes diferentes em cada dia claro, deixo-te sair e cada parte voa à minha frente fazendo danças ou caretas, ou até mesmo gestos obscenos. Mas não te irrites com as minhas metáforas sem sentido. Sentidos são os que te trazem, o que escrevo não são mais que imagens sobrepostas que vão do grotesco ao enternecedor na esperança de criar uma reacção. Não bebas as minhas palavras, porque são-te amargas e enchem-te de raiva. O líquido que de mim emana é puramente decorativo, como o sangue espalhado num filme, ou o chão que bebem os actores fazendo-o passar por whisky. Gostava que sorrisses agora, porque eu sorrio. Sorrio antes de daqui a nada ir libertar do cofre a parte que corresponde ao teu sorriso. Tatua-o na tua cara, porque essa parte vou guardá-la bem.