quinta-feira, dezembro 28, 2006

Conto-te o Natal

Havia no ar o rebuliço de Natal, ao 13 da Lotaria de Natal juntavam-se os molhos de grelos e de meias. O mundo revolvia e corria em busca de tudo.Ele sentado num banco de uma rua que se movia como um turbilhão segurava só num ramo de azevinho. E sorria a ver aquela gente toda passar, olhava as sacas que traziam e imaginava que prendas levariam ali. O saco dava uma grande dica, mas as suas caras e as suas roupas ajudavam também. Os seus caracois loiros reluziam ao sol naquela amena tarde de Dezembro, mas ele trazia umas luvas que tornavam as mão em dois dedos de tamanhos muito diferentes dando-lhe um ar ainda mais angelical. Os seus minúsculos 10 anos davam-lhe um gozado descanço nesta altura. A sua mãe percorria agora as rua ali próximas em busca da sua prenda. Não sabia o que ia ter, mas também não se preocupava muito. A prenda de Natal que queria era mesmo a azáfama toda da noite que cedo chegaria. Até que de repente o Sol deixou de lhe bater na face. Um objecto não muito grande pos-se exactamente lugar do sol enfeitando-se com o halo deste. Ele semi-cerrou os olhos tentando perceber de quem se tratava. Pelo tamanho não era a sua mãe, a figura era pouco maior que ele. Quando os olhos se acomodaram viu-a pela primeira vez. Deve ter sido de ter o sol atrás a enchê-la de dourado, ou talvez o arrefecimento dele porque ela lhe tapou o sol, ou então o fumo que saia de um assador de castanhas ali perto, mas no momento em que ele a viu ela pareceu-lhe um anjo. Daqules que se penduram nas arvores ou que se veem pintados nas igrejas.
-Vou morrer?- perguntou ele com aquela visão celestial.
-Eventualmente sim, mas eu só queria saber se me das um bocadinho do teu azevinho. - ao dizer estas palavras aproximou-se do banco permitindo-o assim ver a sua cara.
Ele corou por ter pensado que ela era um anjo, mas ela era realmente bonita. Mas não tinha asas nem cabelos de ouro nem estava descalça. Ela não vendo nenhuma reacção da parte dele estendeu a mão na sua direcção para enfatizar o seu pedido. O que acabou por resultar porque ele ao ver aproximar-se a mão reagiu dizendo:
-É da minha mãe.
-Eu também não o queria para mim- respondeu ela muito rápidamente. Ainda agora a conhecera e já achava que ela era um bocadinho rispida. - A minha avó que está doente, gosta muito de azevinho, e este ano não pode apanha-lo.
-A minha mãe não mo deixa dar, aliás, ela nem me deixa falar com estranhos. Respondeu ele chegando o ramo para junto de si.
-Olá, sou a Sara- e aproveitando o espaço que o ramo desocupou sentou-se ao lado dele.Ele não conseguiu evitar soltar um sorriso. Ela era mandona, mas duma maneira muito parecida com um anjo. (to be continued next Christmas)

*para quem tornou o meu Natal especial, por me terem oferecido mais que prendas, por me fazerem acreditar outra vez no Natal. Obrigado.

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Transfigurações: Saudade

Gasto do tempo, gasto do tempo sem ti. Parece escorrer tão lentamente como o mel a sair de um frasco no invern. Escorre e eu quero que corre e eu morro por não ver a hora do regresso da tua mão. Depois cria-se na minha mente a imagem da tua mão e a minha anseia o seu toque. Mas o que é imaginário não tem toque e ela desespera tacteando o ar em busca do teu calor. O nariz esse percorre o ar em busca do conforto do teu perfume, não aquele do frasco mas o que a tua pele emanava da última vez que o meu nariz percorreu o teu pescoço. Mas há aquela imagem da tua mão, e tua, tu toda, a encher todo o espaço do pensar. E como a marca do sol transfiguras o mundo que vejo. Há a tua face para onde quer que olhe, há os teus olhos em tudo que me enfeitiça,há os teus lábios em tudo o que desejo. Para onde olho estás tu, e se cerro os olhos para não mais sofrer com a tua ausência, és tu quem aparece brilhando alva contra o fundo negro. Mas não são só os olhos que nostalgiam, tudo é uma lembrança da tua imagem, das tuas emoções, das tuas acções. E chega até à ponta dos dedos aquela dor fina de quem não te tem na mão mas te enche o coração. Que o tempo te traga nas asas do vento porque o vermelho enche de mais os meus olhos de te esperar, os lábios estão roxos de tanto apertar a tua memória, as mãos são já lixas de tanto rasparem o chão pedindo-lhe que te traga. Vem neste momento, vem que já não aguento.

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Pintar o Céu

Deixa passar o vento.Deixa-o passar por entre estas flores, enquanto descanças aqui ao lado delas. Não faças barulho e ouve só o vento a roçar contra as suas pétalas delicadas. Inspira este ar cheio do pólen da felicidade, e expira-o num soriso calmo. As nuvens dançam connosco e a brisa canta a nossa música. Não, não te mexas deixa-te só voar com o vento e banhar pelo sol que também pintei. Deixa-te só ficar. Não penses sequer na dor ou na alegria, não te deixes levar por outros sentimentos que te amarguem ou que te exaltem. Deixa-te ficar aqui nas flores com o vento segredar-te histórias que não te trazem mais que a calma de uma tarde de primavera, sem frio nem calor. Só com o sol a trazer a calmaria e as flores a trazerem-te a paz de coração que tão longamente ansiavas. O céu veste-se mais escuro e com a companhia das estrelas sai também para nos ver deitados sobre a relva, ou mesmo no chão. Se adormeceres ou os olhos te fecharem, não te preocupes que eu protejo-te. Porque o céu aberto sobre mim é a tela em que te pinto todas as noites. Com um sorriso nos lábios, e um imenso brilho nos olhos.

sábado, dezembro 16, 2006

Canção em Sol Maior - Tema para voz

Há o aclarar da garganta. Um instante de silêncio e um instante da grossa respiração a raspar-se no nariz. Depois solta-se. Acompanhada de olhares fugazes mas que enchem o som de magia, vem do fundo do coração o ar que me atravessa. A cabeça vai anuindo em movimentos sincronizados com a música. Composta em segredo e de olhos fechados a sua beleza ultrapassa toda a perceptibilidade visual. O seu som, o seu tempo, a sua intensidade. Sempre assim intenso a cantar. Mas o compasso, o compasso que aumenta e diminui procurando a eterna agitação do metrónomo vermelho. E sai-me tudo assim num improviso sem medo nem certeza, sem dúvida nem confiança. Mas o timbre que me retorna aos ouvidos enche-me em alegro e a música atira-se cada vez mais força por entre os meus lábios. Torno-me dançarino da minha própria canção e as minhas mãos ondulam por entre as escalas que se escapam do meu peito. Na escuridão a que me remeti deixo que os cheiros me indiquem a partitura sem me perder. Até que com a repetição de um último tom o silêncio instala-se e o ar ganha um enorme peso. Abro os olhos, vejo a minha plateia e com um novo mas menos demorado cerrar de olhos guardo a sua beleza na minha cabeça e largo o suspiro final para que as mãos se possam unir num ruído sem fim.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

A minha princesa

Tenho saudades tuas, tenho muitas saudades de ti. Sou egoista, queria-te ter aqui bem perto de mim quando foi outro rumo que te levou. Mas é impossivel esquecer-te, é impossível deixar que voes livremente da minha memória, porque a encheste de coisas demasiado boas. Fazes parte de mim e consigo-te ver a cada passo da tua idade. Infelizmente a vida não é como a gente quer e houve alturas em que não te pude dar a mão como gostava. Porque tu apesar da tua frescura e inocencia trazias sobre os ombros o conhecimento de mil séculos. Lembro-me de caberes tão bem nos meus braços, como me lembro tão bem de seres maior do que eu. Não precisavas de subir a uma cadeira para ser maior do que ninguém, mas subiste e deixaste-nos a todos no chão esmagados com o teu enorme coração. Não consigo deixar de te ver por todo o lado, em borboletas de 5 anos ou em donzelas de 20. Porque sempre te vi a meu lado mesmo quando nos separavam, porque sempre foste a minha protegida e o dever de proteger-te ia ser meu até os nossos filhos se protegerem uns aos outros. Gostava de ser claro como o teu pai e de ser capaz de te escrever com um sorriso. Mas tudo me sai assim confuso, porque nunca pensei que tivesses que ir para o cimo dessa torre de ondes nos vês. Ainda assim consigo sorrir quando te vislumbro os cabelos daqui de baixo. E atiro-te um beijo, e grito bem alto daqui de baixo: "Vais ser sempre a minha princesa!".

"As coisas vulgares que há na vida
Não deixam saudade
Só as lembranças que doem
Ou fazem sorrir
Há gente que fica na história da história da gente
E outras de quem nem o nome lembramos ouvir
São emoções que dão vida
À saudade que trago
Aquelas que tive contigo
E acabei por perder
Há dias que marcam a alma
E a vida da gente
E aquele em que tu me deixaste
Não posso esquecer"
Mariza - Chuva

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Violeta-Vestido

Já não te guardo só nas mãos, já não te sinto só no olhar, já não te ouço só pela tua voz. A tua presença já corre no rio vermelho que me alimenta a toda a hora. A doçura dos teus lábios já não é um sonho longinquo, mas um fogo que me aquece ao dormir. Ainda que os meus dias já não saibam anoitecer sem ti, aprendi a não ter medo do escuro. E é por isso que não preciso que me chames para eu ser. Existo mesmo sem um nome. Sou teu, como um vestido que marcaste na montra de uma loja, e que sabes que o vais comprar assim que tenhas diheiro. Porque o crédito depois cobra juros muito altos. Ainda que não me tenhas comprado, sou já teu em toda a essência. Por isso eu prefiro ver-te aqui deste lado do vidro, prefiro que tenhas que correr todas as lojas para me vestires do que teres que me devolver depois. Assim vais continuar a ter o meu sorriso, e eu vou ser feliz com o violeta que o sol já espalhou no céu antes de chegar. Porque para haver violeta tem que haver sol, e eu posso esperar mais uns minutos pelo seu nascer, a noite foi tão longa e fria e eu não desisti. E quando o brilho vier e limpar o violeta eu vou largar uma lágrima, para que o sol ao passar por ela possa criar todo o arco-íris que estendes em mim.

*as cores são todas para ti porque foste tu que me deste a paixão. E sabes, outro dia lanchei na confeitaria dos clérigos.

terça-feira, dezembro 05, 2006

Verde-Vento

Lembras-te do vento? Daquele que sopra com força e nos deixa arrepiados, sem saber se temos frio ou se é ele que nos segreda ao ouvido. Eu queria soprar sempre aos teus ouvidos a segredar-te palavras que prendam a tua mão à minha. Porque é com as tuas palavras a voarem para mim que eu mais expludo em alegria, palavras que não me são novas mas que ao silvarem por entre os teus lábios me sacodem como as tempestades de maio agitam as folhas recém-nascidas. Palavras sentimentos. Palavras que me alimentam a planta que trago no peito para que dela saia uma flor. E todos os dias eu espero que ao acordar ela já esteja aberta contra o sol, mas ela precisa do seu tempo. E tem que ter, porque se nascesse hoje era outra flor, porque se nascesse hoje as suas pétalas não iam aguentar alguns ventos. Por isso é que eu gosto deste vento. Vem e leva-me para longe, e leva-te a ti comigo. Eu já o sei ouvir e falo com ele, tu quando o perceberes bem, pode ser que as folhas não caiam em cada Outono.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Dourado - Areia

As vezes parece que os meus olhos se transfiguram, mudam o que estou a ver e passo a ver outros mundos colados ao meu. O sol transforma-se num grande candeeiro com um filtro dourado que transforma o meu mundo num retrato a sépia. As tuas mãos ficam douradas e apercebo-me do seu valor. Parecem assim ancestrais, mais que valiosas e cheias de uma suavidade que as tornam mágicas. Como os teus cabelos, os meus olhos vem-nos dourados assim como se fossem eles próprios raios daquele sol de sépia. O sol esse parece emanar algures atrás de ti e encher-me de calor a face. De tal modo que semi-cerro os olhos e tudo fica com aquele estrelar da luz a atravessar as pestanas. Como a chuva no vidro dos carros. O mundo parece feito de areia, mas as tu revelas-te uma estátua, de bronze, ou outro metal dourado com que se fazem aquelas estátuas que lembram deuses. Mas tu não és dessas, nem daquelas de anjos ou de senhores em cavalos. És tu, e não és uma estátua, nem te quero num pedestal. Quero-te aqui à minha beira, com as tuas mãos douradas nas minhas, e eu aninhado no teu regaço.

domingo, dezembro 03, 2006

Cor-de-Rosa-Algodão-Doce

Gosto de ti. Assim. Hoje saem de mim beijos até para o ar com o sentimento que explode no coração.Como nos desenhos animados quando se abre uma coisa muito velha e saem muitas traças, saem assim lábios vermelhos do meu coração. Também tenho borboletas,daquelas cor-de-rosa muito bonitas, mas estão guardadas mais a baixo na barriga. Elas voam lá contentes mas o espaço é pequenino e acabam por-me fazer cócegas, e fico com a barriga a doer.Mas não faz mal, porque com aquela tua expressão dos olhos passa tudo. Só não passas tu. Sorriso.O teu olhar não passa. E eu fico a olhá-lo como se tivesse cinco anos e estivesse a ver desenhos animados ao fim-de-semana. E depois lembro-me que não posso estar tão perto da televisão que faz mal, e fecho os olhos assim como quem tem muito medo. Mas eu não tenho medo de ti. Gosto só de fechar os olhos assim como se tivesse feito uma asneira, mas eu sei que tu gostas que eu faça. E rio-me e faço caretas porque o ar cheira àquele algodão doce que comia na feira popular. E tu cheiras ao açúcar assim em nuvem. Assim docinho, como os teus lábios.

sábado, dezembro 02, 2006

Laranja - Sorriso

Assim à distância. Vejo-te daqui e não te receio. Não te receio a distância. Não temo que te afastes de mim, nem que a distância te largue me largue no esquecimento. A ti não te larga. Por mais que tente a tua imagem agarra-se com unhas e dentes à minha memória e é dificil esconder-te só um bocadinho. Assim vais dançando num vestido laranja pela minha cabeça. Mexes lá dentro e fazes-me sorrir, sonhar, voar. A felicidade toca-se assim nos meus ouvidos mesmo sem a tua mão a afagar-me as orelhas. Mesmo sem a tua presença, a tua lembrança navega nos meus braços. E o céu vai-me trazendo estrelas cadentes que me lembram os teus olhos, e olho o céu profundo como quem te olha. Quase que sinto o vento a cerrar-me os olhos como se agido pelas tuas mãos. E essas, queimam, ardem, desesperam pela droga que as alimenta. O teu perfume. Cravado no meu peito mas sem cheiro nas minhas mãos. Mas tu danças, aqui de laranja, aqui em mim. E eu vou sorrindo ao vazio, vou sorrindo à chuva e ao vento, ao frio e ao gelo, sorrio porque te trago vestida.