Diálogo Apaixonado nº3
O frio vento bate-me na cara.Estou sentado no muro, a minha face imóvel ao vento que me abana, eu permaneço estático como uma estátua na proa de um navio. Mas não é o mar que vejo defronte de mim. À minha frente o rio escorre-se por entre cabos proeminentes, segue salpicado de gaivotas que abandonaram o mar. Vejo a outra margem e cobiço-a. Como queria estar do outro lado. A vista seria praticamente a mesma, a simetria do rio mas tudo mudaria. Do outro lado tudo é belo, tudo se torna feliz. Olho as pessoas da outra margem enquanto elas sorriem nitidamente alegres fazendo de propósito para que as inveje. Sorriem-me mas tudo que vejo é um olhar de dedém, como se estivessem rindo da minha desgraça.
A saudade (será que é saudade? poderei eu chamar-lhe saudade?) amarga entranha-se-me na pele e retira dela toda a sensibilidade. Deixo de sentir o frio ou o quente. Deixo de sentir os odores e até mesmo os sons. Sinto-te só a ti. Sentada com a luz acesa escreves-me. Contas-me dias, trazes-me amigos, dás-me sentimentos. Eu rio-me contigo, dou-te um carinho que não posso, esforço-me por te fazer sorrir. Só o teu sorriso me traz os sentidos de volta. Abrasa-me aquecendo-me o coração, estica-me os lábios através da face e incoscientemente sorrio contigo. Mas o rio vem e traz-me de volta à minha margem. Quero gritar a plenos pulmões o que sinto por ti. Grito-o constantemente ao teu ouvido num sibilar amedrontado mas certo do que digo. Uso palavras diferentes mas o sentimento não muda. Para que grito eu afinal? Ouves-me tu? E se me ouves não saberás já o que te grito? A verdade do meu sentimento há muito que por ti foi reconhecida, eu não duvido dela, então por que a faço passar em torrnetes de ar pelas cordas da minha garganta? Porque me atravessa ela a ponta dos dedos em números desmedidos. Não, não é para que acredite nela como tu pensas(ou receias?). Procuro entender-me mas não vejo explicação para algo que me sai espontaneamente. Torço-me todo em questões que não me levam senão ao desespero da razão. Deixa o meu coração mandar um bocadinho. Eu sei que não gostas da repetição de algo tão evidente e que partes para conclusões mais apressadas para que nelas possas entender o meu redondo patrão. Sim, eu sei que tens razão e tento não o fazer, tento ser sensato, ser mais cabeça. Mas quando o coração for maior deixa-o, e não o entendas, sente só.
Ainda com o sorriso na cara ergo-me perante o rio limpo os olhos marejados do vento e de ti, sempre sorrindo. Levanto-me, largo o banco e volto à minha quente gruta. Desligo as luzes para que te veja melhor. Tu escreves-me e sorris, eu sorrio. E também isso me faz ter certeza do que o coração fala. Choro contigo e por ti, mas o sorriso no fim estampa-se na minha face e assim sei que te adoro.