sexta-feira, junho 17, 2011

Summer Time

De repente é verão. Sem se explicar muito bem, passam todas as outras estações e é verão. Tu fazes pinos aldrabados e rodas mal executadas na relva esvoaçante. Os olhos brilham-te coroando um rosto de verão. Eu rodo a cabeça para te ver segurar no mundo. É talvez depois de almoço porque a fome não se faz lembrar. O vento quente esvoaça-me na cara tornando vermelho o céu ainda laranja. As mãos cheiram a laranjas do verão colhidas por entre as silvas que me desenharam as pernas de vermelho. Definitivamente verão. Há todo um calor que me refulge no corpo apesar da minha imensa inércia. Posso talvez chamar-lhe inércia. Estendido, vejo me agora na minha cama. Tu sorris-me e os olhos brilham-te ainda. Mas as lágrimas escorrem-te na face. Eu aperto-te a mão. É verão. O suor esconde-se entre as duas mãos e elas entrelaçam-se. O peito arde-me num calor sem fogo. Eu sorrio. É verão, e os meus olhos fecham-se para descansar da luz. Talvez não queira fazer isto. Talvez venha um verão ainda. Quero dizer que afinal já não quero. Que afinal não desisto. Ouçam-me afinal. Mas o corpo já não me responde, só aqueço mais o quente verão que se vai espalhando a partir do meu peito. Expiro. Esqueço-me. O calor habita-me por inteiro. Nos ouvidos um zumbido final. Na expressão um verão, absoluto.

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quarta-feira, abril 20, 2011

Escrito

Em silêncio gritante, espalha-se o zumbido constante da ausência de sons que batam no meu ouvido. Respiro fundo e desço ao cimo da consciência breve. Esqueço-me facilmente do que não me lembro. Está um dia bom para contar números á espera de um trovão. Inspiro e deixo que alguém se escute de vez e rompa com este infinito zumbir. Há algum mar ainda nos meus olhos e alguma ferrugem nos meus dedos. Nas minhas mãos. Se houvesse talvez um clac repetido e em vários tons a dizer-me alguma coisa. Mas as palavras são silêncio em teclas mudas aos ouvidos empedernidos que me ladeiam a cabeça. E o silêncio é silêncio sem palavras. E eu sem palavras.
Deixo-me então falar neste espaço branco e fechado que é uma folha de papel fictício, em que escrevo ficções. Fechado no espaço branco da minha cabeça em que a minha voz ecoa sem que os meus lábios se movam. Artificio de mago pouco dotado de talento. Fogo de vista que arde sem ser. Ardor de garganta deslocado no espaço que me distancia a voz do pensamento.
Cortar a voz toda em palavras erráticas, nómadas. Fechar a boca num castelo todo ele prateado que brilha vermelho culpando os comprimentos de onda. Escrever sem personagens nem história a mentira que um sentimento pode mentir. Não há falas, nem noticias, nem dedos que não se sentem. Não há palavras que se contentem. Não há rimas que aguentem, toda a minha poesia.
Das mãos sem algemas de mundo algum,

quinta-feira, dezembro 30, 2010

O colarinho da minha camisa está frio.

O colarinho da minha camisa está frio. O meu pescoço retorcido aquece com o gelo da inquietação. Amanhá vão-me doer as costas, vão-me pesar os olhos, vai-me cansar o pescoço. Hoje não. Hoje não sou ninguém. Sou calado como um rio em dezembro. Negro como um céu de fogo. Hoje sou só. Sou só um a mais caminhando de pelo branco, branco como alguma coisa que não me lembro. Como nada. O colarinho da minha camisa está branco. Estou esquecido porque não me posso pensar. Deixo voar os dedos para que descanse a cabeça. Chega por hoje. O espectáculo continua a seguir. Não tem que continuar, eu não tenho que o continuar. É escuro e dormem os anjos. É fundo. Cru como a carne que me faz. Respira e caminha. Sorri e canta baixinho. Grita comigo um dia feliz, porque só no teu grito ele vive feliz.

quarta-feira, março 03, 2010

Sexto Sentido

Há seis anos dei o primeiro e inseguro passo, no que se vem a tornar nas coisas que mais orgulho. Cheguei a muita gente importante, muita gente desconhecida, e a pessoas muito importantes. Distribuí nas faces alheias sorrisos, lágrimas e distribuí-me a mim. Aprendi, aprendi muito. Evoluí. As minhas palavras são agora um tesouro para mim, ainda à espera de ser muito mais polido. Sou feliz com elas e gosto de pensar que elas também são felizes comigo. Não foi um caminho fácil fora do papel, as isso tornou-me no que sou hoje, fez-me o que sou agora. É o meu caminho. E como alguém uma vez disse com uma força inabalável: "O caminho faz-se andando." e eu vou continuar a andar.

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Como quem diz*

Há aquela respiração ofegante ao fundo. Tudo escuro. Tudo escuro e negro. Um ribombar bate-me ciclicamente nos ouvidos. Talvez o meu peito descontrolado ou um céu enervado. Fraco. Não sou fraco, mas sinto-me sem forças. Cheira a vómito. Espasmos, um e outros. Respiro com mais força. Ao fundo silêncio. Decido não chorar. Não me consigo limpar, não me consigo tocar. Preso, enclausurado, enjaulado, algemado, acorrentado. Cansado. Decido apertar os punhos. O comando chega ás minhas mãos com pesado atraso. Pesado. Apercebo-me que sou tremendamente pesado. Não me consigo suster. Sustenho de novo o vómito. As pálpebras dançam-me nos olhos para evitar o pior. Doi-me as costelas, mas não sei porque não lhe consigo tocar. Os olhos não sabem ver o nosso corpo. Vem tudo o resto menos o corpo que os comanda. Não consigo comandar o meu corpo. Doi-me tudo. Doí-me a alma. Doí-me o respirar. Dou-me a respirar. Esforço-me para não chorar. Grito. Grito ferrugem. Palavras que me saem esganiçadas e partidas. Partidas de mim por não me pertencerem. É tudo dor e negro. Respiro.
Há uma janela quadrada, dividida em quatro quadrados. No quarto quadrante há uma árvore contra o sol. Não vejo senão a sombra de tudo isto. Como platão. Como alguém de Platão. Eu não sou ninguém. Ninguém de ninguém. Chove. Nos meus ossos directamente. Fecho os ohos e a sombra grava-se no meu olhar. Vejo o negativo de um negativo. O queimar lento da luz contrária as imagens que se definem nas minhas costas. Não é real. Não sou real. É uma realidade aproximada por defeito. Como o meu defeito amarrado a estas correntes. O meu corpo defeituoso como qualquer um. Esforço-me para não sangrar. Choro só.


*Bernardo Sassetti Trio - Ascent, Trem Azul

domingo, dezembro 13, 2009

Bullet Point


O cigarro sempre bafejando no ar a sua presença, esticado entre os dedos petrificados na sua mão cálida. Os cabelos loiros sopram-lhe aos ouvidos elogios que fazem a ponta dos lábios esticarem-se como na pintura de um palhaço. Mas a ira é o seu riso.O esticar de lábios a sua frente de batalha. A água parece ferver no longo azul dos seus olhos. As sobrancelhas, outrora esticada sem expressão, fazem aparecer um olho furioso no meio das duas orbes incandescentes. A mão caiu sobre a mesa pondo um ponto de exclamação no fim da sua frase. Rodelas de cinza rolam sobre a toalha e o vermelho de vários olhos apagou-se contra o tecido.Os ombros descaem-lhe a figura para o lado esquerdo onde o braço a segura contra a mesa. No espelho que cobre a parede atrás dela espalham-se as suas costas, até aos ombros decotados. Num movimento de espada a mão dela correu o ar apontando a rua. Como se um avião cruzasse o céu, uma linha de fumo estica-se por cima de nós. Em cima da mesa amontoam-se lenços de papel usados, e um maço de cigarros amarrotado. Os restos desses cigarros rastejam para sair do cinzeiro superpopulado. Nas pontas dos seus lábios forma-se agora residuos de fúria. Eu vejo tudo isto, mas os meus ouvidos fugiram-me com um misto de medo e vergonha. A mão que a apoiava na mesa fechava-se na vertical, como que segurando uma espada. Voltei a correr-lhe os olhos e estes encontraram-me.

Água deixava-se cair ao fundo. Eu batia o fundo de um cigarro contra a mesa. Os nossos olhos voltaram a encontrar-se. A minha face parecia explodir em vergonha. A dela escondia toda a emoção que lhe corria no peito. Sentava-me sozinho junto de um guarda-sol que se empoleirava num velho pneu cheio de cimento. Ela bebia um sumo delicadamente da ponta de uma palhinha. Quando não bebia, o seu rosto erguia-se contra o vento que lhe cortava as faces. Os cabelos negros ainda que abanados pelo vento pareceiam segurar-lhe a cara num tempo de pedra. Tinha os olhos rasgados contra o negro dos cabelos a pintarem-lhe todo o disfarce de esfinge. O vestido branco revelava-lhe um pouco do peito, mas escondia-lhe os ombros. Corriam-lhe a figura os meus olhos mas pareciam fugir-me para os dela cada vez que o seu olhar se mudava. Os meus lábios nervosos esforçavam-se por sair da prisão dos dentes para sorrir de encontro à mesa cada vez que era apanhado na vigia. Sem ver o que olhava fixava a mesa de cabeça baixa até ser seguro.
Baixo a cabeça contra a mesa desarrumada . Pesa –me demais. A voz dela ecoa na sala silenciosa e aparentemente submersa em fumo. A janela mostra-me que lá fora tudo esta adormecido já. A cama esconde-se atrás da porta entreaberta do quarto. Os lençóis contam-me que ela já esteve deitada.Os seus olhos denunciam também o choro que correu por entre as suas faces, mas erguem-se secos na tempestada.Tudo cheira a fumo. A janela fechada como os seus ouvidos. Tudo abafado na cabeça dela. A fúria corre-lhe agora no sangue, expurgando toda a tristeza. Mais uma vez a sua mão desceu sobre o cinzeiro, esfaqueando–o com o que restava do cigarro acabando por matá-lo. As minhas mão revolvem o isqueiro, enquanto a minha cabeça revolve a vontade de pegar num cigarro. As palavras enrolam-se na minha boca e não falo. Não consigo falar. A boca selada pelo peito com um ferro em brasa.


Aclarei a garganta, mas ela nem se mexeu. Nervosamente as minhas mãos revolviam os bolsos procurando moedas de que não tinha necessidade. Dizia alguma coisa e o meu coração acelerava a cada palavra. Parado diante do trono egipcio que parecia envolve-la . A sua face continuava firme no horizonte que outrora me incluia. Senti-me numa audiência. Ela aproximou primeiro os olhos e só então a face se rodou. O sorriso surgiu de forma tão crescente que me pareceu uma flor desabrochando debaixo do seu nariz. O seu sorriso pareceu convidar-me a sentar e assim fiz. Horas depois, dias depois convida-me a sua cama. Não o seu sorriso nem o seu olhar mas as suas palavras de sotaque cravado à sua origem. Acedi sem sorrir. O coração ameaçava tombar-me de culpa. Ardia ainda um cigarro na minha mão que passei aos lábios dela. Os lábios cleopátricos sorriam-me da sua ignorância. Semi-nus, iluminados pela luz doentia de um candeeiro amarelo, deixamos que os corpos se aproximassem magnetizados por um cerebro cego. O peito queimava-me demais. Não sei que combustivel o fazia arder, e ainda hoje não sei. Culpa engrossada e viscosa, ou pura sensualidade alcoolica. Os cabelos negros dela cobriram-me a luz e fechei os olhos como assentindo o que me convidava. Pediu-me que sorrisse.

Peço-lhe que nos vamos deitar. Grita-me algo e acende um cigarro. É terça-feira, amanhã trabalho. Tenho tanto que fazer. As lágrimas surgem vaporizando a sua voz. Gritos enchem de novo o ar. Acabo acendendo um cigarro.

Acendi um cigarro e disse: “Acabou”. Ela chorava, desesperadamente pedindo-me em gemidos algo que não posso dar. A pronuncia dela queimava-me agora a minha garganta. O sentimento de culpa levando a melhor da sua sensualidade. Ela puxando dela recolhe uma madeixa negra atrás da orelha. O pouco comprimento acaba por fazer com que se balance de encontre aos seus olhos negros. Hipnotizo-me uma última vez. Levanto-me e saio pela porta. Vou pelas escadas, o cigarro proibindo-me o elevador.

Ela acaba por me probir as palavras, e sobe-se da cadeira. As lágrimas vão caindo sobre a carpete vermelha. Ela aproxima-se da cozinha e desaparece por trás da parede. Vejo tudo isto lentamente. Não sei se as lágrimas dilatando-me os olhos, dilatam-me também o cérebro.

Tudo é dor e impotência. Estou no sangue a sangrar. No chão, a chorar. Ela chora sobre mim. O revólver já frio na mesa. Matou-me. Há-de fazer 5 anos que a traí. Hoje não. Cheguei tarde, do trabalho. Estou morto. Já não choro, sangro. “É tudo culpa minha” diz ela. Não, é tudo culpa minha.

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terça-feira, julho 07, 2009

Estatística

"Uma hipótese pode ser definida neste contexto como uma conjectura acerca de uma ou mais populações"
Conjecturamo-nos futuros presos a sonhos de hipóteses esfiapadas. Populamo-nos de esperanças e desvios padrões. Desviamo-nos dos padrões em largos passos de felicidade. Adiamos a felicidade para conjecturas futuras. Jogo com as palavras. Lembro-me da prosa e da felicidade que a traz. Da tristeza que nela se cola sem esperar fumo branco na chaminé. Trago-te de volta, trago ácido e amarelo do tempo. Espelho nas palmas a cidade de que falamos e falamos de espelhos que reflectem as nossas mãos unidas. Unimos as mãos mais uma vez. Da forma que nos apetece. Puxo a impessoalidade para que te possas espelhar aqui. Tempo, tempo, tempo. Tempo demais que não chega para nada. Com um dedo faço congelar o quadro que mais me convêm. Com a mão rasgo no ar aquilo que sou. É escuro, é éfemero, é do tempo parado. Paro. Escrevo.