domingo, janeiro 29, 2006

Monólogo Desapaixonado nº2

Estou sentado no chão com pedaços do tecto dispostos à minha volta. A casa em ruinas rodeia-me. O telhado deixa a lua entrar sobre mim apenas pa que não me perca no mundo negro à minha volta. Uma janela que agarra teimosamente os vidros deixa-me ver o rio negro por entre a sujidade. Vai correndo silencioso sem lamentar a sua sina, inconsciente do seu fim salgado. Eu, com o sal nos olhos, já não corro com medo que o mar volte a rasgar a minha face. A penumbra que me rodeia dá-me a segurança falsa de a dor me ter abandonado. Ainda iluminada, uma cana dorme a meu lado. Trouxe-a eu da beira-rio onde alguém a largou por a julgar incompetente. Ao tocar-lhe o deseja de a lançar para procurar companhia ataca-me os dedos e ainda a levo atrás para tentar a minha sorte. Mas no momento em que tento lançá-la o meu braço atraiçoa-me e ao ver as cicatrizes a agarrarem o braço deixo-o cair. Trouxe-a por pena. Habituada à alegria que entregava a quem a possuia geme agora baixinho por saber o seu futuro negro. Por isso a depositei a meu lado, para que a luz lhe secasse as mágoas. Consigo ainda ver na outra margem luzes que vão viajando. Mas passam sem me dirigirem o foco por temerem a minha reacção irada. Sorrio. Na espécie de chão onde me sento o pó dança com a lua. Passo-lhe o dedo e as pequenas particulas afastam-se para deixar passar o meu dedo deixando o percurso visível. Desajeitadamente e por brincadeira desenho um coração. Não daqueles como o que trago do peito, mas dos outros, os das histórias de embalar. O sorriso estala num estrondo agudo que faz tremer a janela. Num gesto assustado espalho o pó apagando a memória de tremendo esboço. Atiro-me ao chão perdendo a visão do rio temendo a visão da outra margem. Palpo o chão à minha volta procurando a cana gasta e puxo-a para mim. Adormeço com ela puxando o cobertor negro que a lua deposita sobre mim ao afastar-se.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Monólogo Desapaixonado nº1

Dou por mim às voltas perdido na cidade . Não sei quem procuro, não sei porque percorro as ruas escuras se o meu coração vazio já não procura ninguém. A cidade deixada morrer na noite, está vazia de vida e vai gemendo esventrada ao céu negro. Eu percorro-lhe as veias procurando o vermelho que me acalente. Já so quero sentir, nem que seja dor, nem que seja sofrimento. Esta apatia do meu coração só faz mais cinzento o meu dia. Doi-me o corpo, cansado de percorrer esta rua em que as lojas estão todas fechadas, em que o céu deu lugar ao tecto de cimento. Os olhos já secaram de não terem nada para onde olharem, e os lábios latejam a cada segundo pedindo um beijo apaixonado. Ao soar do sino de uma capela oculta, surge o rumor vindo do rio. Velhos fantasmas, puídos e sangrentos voam na minha direcção. Eu já habituado aninho-me numa porta abandonada. Cantam músicas, músicas que me agonizam e me apertam a garganta. E na noite ficam a torturar-me e não consigo fugir dali. Com a manhã eles voam e eu já enfraquecido por uma noite de agonia adormeço com os primeiros raios de sol. O sonho é tudo que me resta agora para fugir a um mundo que me nega a cor a cada dia. Durmo, sonho na esperança de acordar ao lado de alguém. Alguém que desta vez não morra e se transforme em fantasma para depois me torturar. Alguém...

terça-feira, janeiro 17, 2006

Longo


Negro. A noite envolvia os dois sentados num velho banco de madeira de um jardim abandonado na noite citadina. O frio já quase não se fazia sentir com o fim da primavera. As árvores ainda balançavam ao sabor do vento mas eles aconchegados não tremiam com elas. Ele sentia o perfume dela vindo da cabeça apoiada no seu peito. O perfume que sentia era o dela e não um inventado por um estilista qualquer. Com o passar dos anos a convivência com ela tinha feito desaparecer os maus cheiros que ganhavam na rua. Já não sabiam viver se não na rua mendigando o suficiente para alimentar o estômago. Ele rodou a cabeça para olhar a sua fronte enternecida. Ela beijou-o na boca com um olhar que ambos reconheciam como o beijo que a idade e o decoro impediam. Ela voltou a deixar cair a cabeça olhando um fonte que alguem se esquecera de arranjar e perdera a vida da água a jorrar. Todos os dias agradecia a Deus por o ter encontrado. A vida nas ruas era dificil, e duas bocas são mais dificeis de alimentar mas uma mulher sozinha na cidade era demasiado perigoso. Inicialmente fora uma relação de interesse mutuo mas os anos ao lado dele tinham feito florir um sentimento que nunca encontrara numa casa. Talves fosse isso que os mantinha de procurar um vida mais ortodoxa. A felicidade que a rua lhes dava superava o desconforto da cidade fria. Já nem era desconforto. Viam apenas contratempos, pequenos buracos na estrada que percorriam em conjunto. Ele procurou no bolso o pequeno presente que tinha achado na rua. Abriu o plastico tentando não fazer barulho e levou-lhe à boca enquanto ela resmungava surpreendida. Ao sentir o sabor doce olhou-o surpreendido. "Trouxe-mo um passarinho, não me deixou comê-lo, disse que era para ti." Ela respondeu de boca cheia resmungando com ele por não ter comido nada desde manhã. Ele sorriu levando-lhe outro pedaço à boca. Ela saindo do colo dele fechou os olhos e beijou-o esquecendo o decoro. Ele sentiu o sabor doce na boca e deixou-se levar pela impetuosidade dela. Ao desprenderem as bocas o seu estõmago protestou amargamente por sentir o doce tão perto. Ele tentando com que ela não ouvisse enfiou-lhe o ultimo bocado na mão dizendo "Vá levanta-te que já são horas de dormir" E de mão dada voaram na noite deixando um rasto de felicidade nas ruas adormecidas.

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Mentido


Azul. A água reclamava um lugar junto à areia com estrondosa vontade. As nuvens iam flutuando acima do horizonte. Ela caminhava com um sorriso enorme na face. Na mão trazia a mão dele e no peito a sua imagem. A felicidade só não estava com ela quando ele também não estava.O vento espalhava-lhe os cabelos e a mente, levando-a para o país cor-de-rosa. Ele a seu lado permanecia colado ao cinzento do chão. O cinzento teimava em não o largar. Queria voar, sorrir com ela, mas a verdade é que ela já não lhe sorria no seu coração. Ele já não sabia o que era sentir o turbilhão no estômago, o fogo no peito. Ela já só vivia na mão dele e nos lábios. O seu coração cinzento já não permitia a existência colorida no seu interior. Já não sabia se a cor se tinha escorrido ou se nunca tivera o vermelho do fogo. Ela sentiu-lhe a mão fria e levou-a até ao seu sorriso para a beijar. O cheiro dele sobre a mão fria percorreu-lhe o corpo deixando o calor para trás como lembrança.Olhou o mar revolto à sua frente e sentiu a sua felicidade chocar contra ele. A placidez calma do seu coração contra as agitadas águas que se espumavam. Dentro de si o mar vermelho já se acalmava e o sentimento passara a um fogo lento sem agitações. Contudo ele olhava o mar entristecido. Não o preocupava o mar, nem o olhava sequer. Os seus olhos estavam para além do azul e a sua mente focava tudo menos as ondas que o vento soprava.Cada vez se tornava pior. No início o arrependimento só vinha depois dos encontros quando percebia que havia sido um mero actor na peça dela. Agora os remorsos já o consumiam inteiramente e a sua vista nublava-se à beira dela fechando-se então na sua mente. Ela olhava-o atentamente. Tal como uma criança vendo algo novo, os seus olhos brilhavam com o reflexo dele. Ele sentindo o olhar dela sorria, um actor fazendo de cavaleiro vitorioso sorrindo à multidão que o aplaude. Um sorriso de actor. Um sorriso que não é dele. E ela olhando o sorriso sentia o fogo aquecê-la do coração aos pés. Colou-lhe a boca e navegou no amor sentindo a felicidade ondular nos cabelos . Ele repetiu a acção a que já estava habituado. Não o fazia com a sofreguidão dela ou com o calor no coração, deixava que a sua boca se comporta-se de maneira puramente carnal sentindo apenas o beijo e não a união. A parte mais dificil erguia-se no fim do beijo e por isso não deixava de a beijar. O confronto de olhares que o fim do beijo impunha tornava-o indesejado, mas quando já ela se apoderara da sua boca o seu fim era temido por a ter de olhar. Nada lhe custava mais do que ela lhe ver o espelho da sua alma de tão perto. O medo que ela lhe visse nos olhos o que ele ainda não fora capaz de lhe dizer tornava tão angustiante o momento. Ela desprendeu-se dele e abriu os olhos para ter a certeza que era real. Olhou o castanho dos seus olhos e sentindo-se aprisionada nos olhos dele sentindo-o ainda nos seu lábios ao distende-los. Mas rapidamente eles fugiram tirando-lhe o equilibro do sorriso. Voltou a olhar o mar tentando reequilibrar-se. Os olhos dele haviam-se tornado esguios mas ela falando a si mesma demovia-se de culpar os mesmos por alguma coisa mal resolvida por ele. Acreditava piamente que eram apenas fantasmas voando do passado trazendo-lhe problemas que haviam sido uma constante mas que ela não iria deixar que eles a assustassem de novo. Ele olhava de novo o mar procurando no azul a solução que lhe escapava. Voaram os dois à superficie da água deixando um risco até ao horizonte. Ele voava procurando o vermelho no meio do azul, ela voava por o ter ao seu lado. Ainda que juntos e sem que se apercebessem disso voavam separados.

domingo, janeiro 08, 2006

Vivo


Ele esperava que o elevador o levasse ao décimo segundo andar do pesado edifício. A música que habitava os ascensores à muito que tinha morrido. A névoa acompanhava-o dançando à sua volta. A porta abriu-se e ele fez um tremendo esforço para que um sorriso se lhe abrisse na face. Caminhou ao longo do corredor que os seus pés se haviam habituado a espezinhar olhando o chão procurando a alegria entre os azulejos brancos. Parou à frente do vidro frio que conhecia de cor. Olhou através dele e deitada na cama estava ela como sempre. Dormia serenamente como se estivesse no pequeno palácio que ele havia construido para ela na sua casa. Aproximou-se do vidro e toucou-lhe como se tocasse a sua pequena face aconchegada na almofada. A proximidade do calor embaciou o vidro e ele sentindo-se protegido pela cortina branca largou um lágrima fria que lhe rasgou o sorriso em dois. Desde que ela adoecera a expressão na sua face era como a das duas máscaras que habitam o teatro por ele ter que lhe trazer a alegria quando a vinha visitar. As razões para sorrir não eram suficientes e o sorriso só surgia para não escurecer o brilho que ela trazia nos olhos. Ainda tapado pelo vidro baço deixou que a àgua salgada lhe levasse a tristeza e cuidadosamente voltou a pôr o sorriso defronte da sua cara para se ela acordasse.Ela voltou à luz branca que lhe enchia o quarto resmoneando ainda o sonho e fazendo uso da escassa mobilidade que tinha para se espreguiçar.Abriu os olhos para ver o branco que já tanto a enfadava. As cores sempre haviam povoado o seu guarda-roupa, assim como alegria povoava o seu coração. Sentindo o olhar carinhoso vindo do corredor rodou a cabeça para o encontrar com um sorriso. Ela sorriu também por o ver e acabou deixando o sorriso na face para que ele pensasse que a alegria ainda não a tinha abandonado. Ele entrou, sentou-se na cadeira à sua cabeceira beijando-lhe a mão e depois a testa. Sorriram um para o outro mas traziam o amargo na boca e o salgado ainda latente nos olhos.Conversaram, brincaram e riram-se trazendo a ilusão que era um domingo normal antes do pesadelo vir. Ele por dentro ardia por saber que não iria voltar a ter um domingo assim, mas sorria porque ela ainda na inocência não o saberia. Ele dava-lhe toda a sua esperança e ficava vazio dela. Ainda assim conseguia sorrir, assim como sorriu da primeira vez enrolada no manto branco a seus braços ao lado da mãe que sorria tanto como ele. Agora já não era igual o sorriso mas o sentimento no peito dele ardia mais que nunca. O sol correu para longe do velho prédio e o branco tornou-se em cinzento e ele beijando-a de novo saiu corredor fora fugindo da dor. À saida a trocou um beijo e uma lágrima com quem lhe tomava a vez, e entrando no carro voou para bem longe, sentindo que ela voaria em breve para um sitio onde ele não a poderia alcançar.

quinta-feira, janeiro 05, 2006

Remoto


O negro. Envolve a noite com o gelo da impassividade.As mãos dele queixam-se pesadamente por se verem arredadas dp calor que lhe cobre o corpo.Ambas seguram o telémovel que o olha tristemente.Por baixo o caminho vai passando com um movimento já automático dos pés. Já conhecem o caminho de cor, o caminho que o leva a casa. No visor o nome dela grita-lhe nos olhos. Ele vai levando o telemóvel na noite, olhando aquele nome, hirto em frente ao peito qual sacerdote segurando o cálice.Mas ele odeia-o, detesta a sua essência , feito para unir as distancias . Feito para uni-lo com ela. E por isso o odeia, atribuindo-lhe a culpa que não é dele. Enquanto o telémovel faz a chamada, ele galga a distância que os separa num voo repentino. Conta cada quilómetro até chegar diante dela e imediatamente desliga a chamada e volta à subida que o puxa. O negro do alcatrão caminha a seu, fazendo correr a saudade no preto de dor. Uma lágrima quante aquece-lhe a face e ele com as mãos nos bolsos olha agora o chão. Ela sorri. O nome dele brilhara agora no seu coração sussurrando saudade.Há um mês que não se viam, estando o sufoco da ausência já apertado no máximo das suas gargantas. Mas saberem que não estavam sozinhos, que não era só de cada um o sentimento, trazia alguma alegria a brilhar na escuridão. Ela repousava já sobre a cama e fitava o tecto enquanto desenhava um coração a negro bem vincado. Riscou depois os seus nomes ainda com o coração negro de carvão desde que o último fogo de um encontro a tinha feito vermelha. A distância também tinha esse efeito. Ela sentia a primeira vez em cada encontro. Tudo era novo outra vez. O primeiro olhar, as primeiras carícias, o primeiro beijo. Tudo era quente como o fogo primeiro da paixão, mas a distância ampliava o sentimento que crescera para além da infantilidade. Era já madura a lágrima que corria pela face dele. Não queria chorar , queria ser forte por ela mas ela estava longe e o seu coração esticado para a alcançar doi com tremendo esforço. Ela deitada na cama envia-lhe um beijo sentido. Ele reconhecendo o calor dela a quilómetros sorri então. Olha pra cima e vê i coração que ela desenhou nas estrelas. Sem tirar o sorriso da face sulcada de lágrimas toca o desenho no céu com a ponta dos dedos e levando-os aos lábios beija-os. A noite negra de saudade envolve-o até que pousa a cabeça na almofada e fechando os olhos vai ter com ela. "Dorme bem" sibila enquanto se deita ao lado dela.

terça-feira, janeiro 03, 2006

Voltar é dificil

"Bato a porta degavar, olho só mais uma vez", dou duas voltas à chave pesada e levo-me em direccção à vida. Olho um segundo para trás e imagino a cruzinha lá no fundo. Queria ter lá ido despedir-me, mas faltaram-me as forças e a coragem. Não para ir, mas para vir. O medo de me deixar embalar pelo sitio que mais visito na minha mente, esquecendo que tenho que voltar para uma vida que não é a minha. Perdoa-me por não te dizer adeus. Enquanto caminho sinto o peso dos meus passos na aldeia deserta. A noite gelada ainda cobre tudo e o frio afasta as gentes da rua. Espero o meu carrasco na praça de tantas alegrias. Olho as pedras no chão ainda geladas mas com o interior cheio de alegria de festas passadas. O frio empurra-me para dentro de mim enquanto vejo o ar a sair em nuvens da minha boca. Por momentos desejo que ele venha, o frio, e me deixe aqui plantado, congelado no banco como uma estátua, eterno espectador de um teatro inesquecivel. Mas a camioneta acaba por vir e eu dando um último olhar ao mundo que se me desaparece entro na viagem. Com o andar vou vendo o sol a surgir pelo branco para derreter o que a noite tornou quieto. Um nevoeiro acompanha-me até ao comboio. Enquanto viajo entram reticentes habitantes que viajam para a sua luta diária. Trazem-me de volta o mundo que abandonei ao entrar no paraíso. Lembram-me o custo da vida cá fora, trazendo os escassos dinheiros e as duras reinvindicações que lhes consomem o pensamento. O meu deixei-o lá atrás. Já no comboio e novamente na segura solidão o rio vai escorrendo a meu lado. Não o olho, por trazer a memória do que já não é meu. O nevoeiro solidário fecha a cortina para que não ceda à tentação. Em criança sonhava com o frio, para que viesse sobre o Douro e o congelasse. Correria então por ele acima para chegar de novo ao cais que no cimo me esparava. Agora sei-o impossivel e por isso me amargura olhar para ele quando volto para à casa que não é a minha. Depois quando as saudades já me arderem no peito voltarei ao seu encontro e olhando a água que me traz inalo o cheiro que é o meu e sonho com a proxima vez que voltarei a viver Lagoaça.

Vazio


O som de vozes povoava a sala. Havia fumo vindo de mesas ao fundo. Ele olhava o prato vazio com alguns grãos de arroz que haviam sobrevivido à sua refeição. Ela ainda comia avidamente e o silêncio continuava disposto sobre a mesa. O desinteresse nas palavras era comum aos dois lados e o almoço deixara à muito de ser social para ser apenas umas horas a preencher na semana incolor. As vidas já não eram lançadas sobre a refeição por ambos saberem que tudo acabaria em discussão. Rendiam-se então à apatia e olhavam o ambiente para evitarem o olhar. Ela saboreava o último cogumelo enquanto ele olhava distraído a televisão. Ela tentava olhar para ele com o a ternura e carinho de outros tempos. Era seu filho, fruto do seu ventre. Mas havia crescido para fora dele e para fora da sua vida. Ao abandonar a sua casa ele deixou para trás o cuidado constante e a preocupação com cada passo desde que começara a andar. A culpa era dela certamente. Foi ela quem o ensinou a andar, a correr. Ainda se preocupavam um com o outro certamente. Mas era um sentimento desprovido de toda a afectividade. Quando era mais novo era ele quem a procurava, Lembrava-se de quando ele se agarrava às suas pernas quando ela saía de casa para trabalhar. Agora já nem lhe tocava a mão. O amargo de anos de secura instalara-se e contamindado irremediavelmente a sua relação com ela. Ela olhando-o recriminava-se agora por ser uma mãe ausente, procurando o dinheiro e deixando o bem mais precioso que tinha para trás. Ele olhava agora as suas mãos, e num reflexo escondeu-as por não estarem a gosto dela. A severidade dela marcou irremediavelmente a relação com a sua mãe.A sua ausência nunca fora um problema mas sim a severidade. A ausência era bem-vinda porque significava liberdade. Só na solidão ele era livre para fazer o que queria sem reprimendas a todo o instante. Começou então a desejar a ausência da sua mãe e a aversão à sua presença e a partir daí nunca mais viveram juntos. A mudança de casa só implicou uma mudança física. Ambos pediram café e tomaram-no sentenciando a o fim do pesado almoço. Levantaram-se ainda sem se olhar e sairam. Chegados à porta ele sentiu a impossibilidade do silêncio e perguntou-lhe onde estava o seu carro. Então sentiu o olhar dele sobre ele e por ser isso tão estranho olhou-a imediatamente. Duas lágrimas sujavam-lhe a face. Ela olhava-o enquanto via a sua cara explodir em surpresa. «Estou doente» esclareceu ela para lhe afastar a surpresa. Mas a sua face continuou em choque e ela para evitar sentimentalismos fez um gesto para se despedir. Mas ele encontrando o que havia à muito perdido no seu peito, abraçou-a e segredou-lhe ao ouvido que ela iria ficar boa. E no abraço voaram juntos para a vida.De novo.