quinta-feira, maio 25, 2006

Cor de Fogo

Uma borboleta. Vermelha fogo, as suas asas labaredas que agitam o ar. E ela agita-o sem medo, cada movimento cheio de graça, tão timido e ao mesmo tempo tão certo. Os seus movimentos parecem desenhar no ar flores e sorrisos, mas a imagem perdura apenas segundos nos meus olhos. E queimam, queimas as imagens que faz, queima a sua beleza, queima o não ter como as guardar. Antes de ela chegar bastava-me o céu azul, o campo verde pleno de flores. Agora acho que não consigo imaginar este sitio sem as suas asas a esvoaçarem. E há mais borboletas, e mais animais. Mas só as asas dela cegam, só os seus movimentos me encantam.
Mas não sei como a apanhar. Nem sei se a quero apanhar. O seu voo livre é tão essencial para as suas assas e se me aproximo demasiado ela concerteza irá voar. E aqui me sento olhando o seu voo, e já nem o vejo em condições. A angústia de ela poder voar para longe ou o medo de nunca mais sentir o seu voo no meu cabelo.Mas não tenho como a manter aqui, não tenho como fazê-la ficar a meu lado, porque não sou uma flor, e o meu pólen nunca foi amarelo o suficiente. E não quero mantê-la fechada, fazendo-a sentir a minha presença a toda a hora mesmo sem ela querer. Ela quer voar, ela quer flores e primavera, e eu sou o Inverno, e nenhuma borboleta se atreve no frio.

quinta-feira, maio 18, 2006

Suspiro

Hoje sem ninguém reparar fugi para a minha infância. Fui devagarinho para ninguém reparar e quando dei conta já estava sentado no banco á beira do escorrega. Os pés balançavam-me como querendo chegar ao chão, e era tão pequenino eu. As mãos brincavam com um pauzinho de gelado e eu sorria sinceramente e já não me lembrava ver um sorriso daqueles em mim. Depois vejo uma menina, lembro-me dela? , a vir para o meu banquinho castanho e a sentar-se ao meu lado. Conheço-a, porque o meu sorriso encurvou-se em atrevimento e os meus pés agitavam-se mais alegremente. Ela tirou um papel do bolso e dá-mo. Eu apressadamente mas sem perder o sorriso reguila abro-o e olho atento. Há uma pergunta que não me lembrava já existir e dois quadrados muito pequenos mal desenhados. Um deles tinha uma cruz assinalada a cor-de-rosa tornando o "Sim" numa senhora com um bonito chapéu na cabeça. Por baixo ainda lia outra pergunta, "Porquê?". Já na inocência da minha infância esta pergunta me perseguia. Vejo então os meus lábios lerem a resposta tentando juntar os sons que a caneta cor-de-rosa deixou. "Por-que no ou-tro dia me deste um bo-ca-dinho do teu xu-cu-late!" O meu sorriso permaneceu igual mas eu ria-me da inocência tão bela. Vejo-me a virar a cabeça para ela, tem um gancho em cada lado mas o do lado esquerdo foi-lhe escorregando.Ela olha para as mãos enquanto tricota um sorriso medroso com os dedos. Eu fecho os olhos e muito depressa lhe entrego os meus lábios. E tão depressa quanto lhos dei os recolho. Mas ela parece não se importa e deixa-me o sorriso enquanto corre para a casa de banho das meninas. Enquanto olho a saia da imagem à porta volto para o meu dia e sentando-me suspiro pensando no "Porquê?".

*toma uma prenda pa ficares mior!

segunda-feira, maio 15, 2006

Falar o Vento

Shh, consegues ouvir a brisa? O que é que o vento te segreda? Não te rias assim, vá conta-me... Eu? Porque é que tenho que ser sempre eu primeiro? Não desvies os olhos! Não penses que foges assim de mim. Mas está bem eu digo. O vento diz-me que veio pelo mar, e de lá do longe avistou-nos aos dois. Veio ter connosco porque me viu a puxar-te, a querer levar-te comigo. Não faças essa cara, é verdade. Ele diz-me para te levar, e eu também quero. Para onde? A voar por céus azuis, rebolar em campos verdes, daqueles cheios de papoilas, a comer um gelado mas só sentir o sabor da maresia, a sorrir num banco vermelho com as mãos entrelançadas. Não olhes assim para longe. Olha para mim, que lá ao fundo não me vês. Mais? O que é que o vento me diz mais? Diz-me para não deixar de olhar para ti, porque a tua beleza é como uma flor que só dá uma amostra do interior. Não, claro que não estou a dizer que és feia, porque para o dizer é preciso que fosses qualquer coisa perto disso, e tu estás muito distante, mas a por dentro a luz brilha até cá fora, e essa luz é tão intensa que me deixa perplexo. Sim, sim, até o vento concorda comigo. Mas eu não preciso que ele mo diga, nem tu. Vá dá-me a tua mão e pelo caminho contas-me aquilo que o vento te disse...

*parabéns mikinha!

quinta-feira, maio 11, 2006

Composição em Ré Maior - Tema Para Contrabaixo

Bum, bum. A corda vibra e ecoa no meu peito. A respiração ofegante de quem procura o compasso certo. Ela vai tocando sozinha, e já não sei o que a devia acompanhar. Será um piano, calmo, agudo, melancólico para então tornar tornar triste este som grave que vai palpitando no meu coração. Será triste acompanhamento que ela me faz? Será de piano perdido, preso nas teclas agudas, tristes e que magoam como agulhas. Será esse o instrumento que me acompanha? Ou será a bateria, a bateria que me enche de ritmo , e faz a alegria brotar em mim em crescendos, crescendos de magia, e o meu contrabaixo vai tocando de sorriso nos lábios sempre vibrando alegre em sintonia com a bateria. Como hei-de saber o que me acompanha se estou vendado e já só ouço o meu contrabaixo, tocando grave e abafando tudo o resto. E esta respiração ofegante que não me deixa progredir, me cansa e me impede de ouvir também. Às vezes parece-me ouvir a bateria, quando ela me fala com os olhos, move-os e fala-me se mexer a boca, ou se a mexe eu não a vejo, estou já hipnotizado nos olhos a ver a dança deles, a ve-los tocar o que parece uma bateria. Mas não a ouço, não a consigo ouvir. Nem mesmo quando sinto o calor da mão dela eu não sei se traz uma baqueta nela ou se o os dedos estalam cansados do piano. E ouço o piano às vezes. Quando estou sozinho, principalmente quando estou sozinho no meio da multidão. Ouço aqueles agudos. De novo. E estou tão habituado a ouvi-los que já não sei se são minha imaginação. Preciso que alguém me esclareça e me diga o me acompanha afinal. Se nada me acompanhar, não deixarei de tocar, porque a música, essa nunca morre. E o grave das cordas negras contra o fundo castanho, fazem ainda vibrar aquilo que já julgava morto.