domingo, janeiro 28, 2007

Tocar a Madrugada

Abre os olhos só um bocadinho. Isso assim, e esse sorriso está perfeito. Não te mexas, quero guardar bem esta imagem na minha cabeça. Não! Ainda não está. Não é o mesmo que tirar uma fotografia. Mais como pintar um quadro, fazer uma escultura, ou até mesmo escrever a tua descrição. Porquê? Bem, primeiro tenho que te olhar, mas olhar sem o filtro vermelho. Que filtro vermelho? Ora ora, a essa não te respondo. Portanto, olho -te assim, depois reparo em tudo e anoto com o lápis ou gravo uma figurinha. Como a dobra que o sorriso deixa na tua bochecha. Depois usando o pincel toco na tinta laranja porque é ela que nos banha para pintar o teu sorriso. Assim tocada pela madrugada. Ela vem sem que nós queiramos e desenha-te a face. E tu sorris e olhas-me fazendo da tua cara a face de uma estátua que esperamos ser que acorde. Eu sei que não estás a dormir. Mas há algo nas estátuas mais bonitas que nos faz desejar que elas se movam e nos falem. Eu sei que tu falas. E por isso te pedi que ficasses quieta só um segundo. Agora já te guardei na tela que trago no peito para te ver quando quiser. Que tela? Hoje estás mesmo preguiçosa! Essa resposta vai-te custar um beijo. Um beijo. A tela não existe. Não, não te enganei, deste-me um beijo por isso vou-te mostrar a tela. Vês ali onde os primeiros raios de sol tentam romper o escuro? Estica o teu braço até lá. Claro que chegas! Fecha os olhos. Sentes o calor na ponta dos dedos? Guarda essa sensação. Sentes a comichão no peito, como se algo se movesse lá? Isso és tu a pintar a tua tela. Se também tenho a madrugada pintada na minha tela? Tenho sim. O amanhecer do teu olhar quando os teus olhos se abrem e enchem o meu peito de calor. Agora podes fechá-los e deixar que o silêncio nos embale enquanto o sol não nos acorda.


"Amar ou odiar, ou tudo ou nada,
o meio termo é que não pode ser.
a alma tem que estar sobressaltada
para o nosso barro se sentir viver."
Fausto Guedes Teixeira
*Porque o amor tem que ser acção, porque sem acção somos estátuas que não acordam. Vivam, amem.

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Espalhar o Nevoeiro

Sorri comigo só um bocadinho. Olha-me só mais 5 momentos. Respira-me só este instante. Teu. O instante? Sim o instante é teu, mas referia-me a mim. Custa-me tanto às vezes largar-te e ter de enfrentar o nevoeiro sem ti. Pensavas que eu gostava do nevoeiro? Também eu. Mas não gosto mesmo dele. Gosto-o a teu lado, porque nos torna invisíveis e porque te enfeita os cabelos e as mãos. Se calhar nunca reparaste, mas quando estamos assim juntos no nevoeiro, eu chego a sussurrar um pedido ao despertador. Que pedido? Que não toque e não me acorde, porque me pareces mesmo um sonho. Não me olhes assim. Eu sei que é mau pareceres um sonho porque os sonhos só duram uma noite, e eu já não sei adormecer sem ti, mas o branco esfumaçado a rodear-te traz-me lembranças dos sonhos contigo. Ah, pois é. Queres é saber porque é que não gosto do nevoeiro. Porque quando tenho que largar a tua mão ele parece fechar-se à minha volta para te esconder e tenho medo que desapareças nele. Abraça-me. Mas pensando bem não é o nevoeiro. É a tua ausência que torna tudo tão pequeno e sem sentido. Porque tu encantas o meu mundo de tal forma que quando ele se vê um bocadinho sem ti fica mais feio. Não percebeste? Tu és os meus óculos e eu vejo mal sem eles. Pior? Quando não te tenho o mundo fica difuso e desfocado, mas quando me aqueces o olhar tudo tem mais cor e mais definição, o que torna o mundo mágico aos meus olhos. Sem ti tudo é nevoeiro, mesmo que o sol esteja a brilhar no máximo do seu calor. Porque só o calor do teu abraço dissipa a humidade do meu mundo.


*com a pequena ajuda do António de Rodrigo Leão.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Tempos Adversos/Restos

Há vidros no chão. Ainda não abri bem os olhos mas vejo reflexos no chão. Fui eu? Olho as janelas no tecto. Não vejo recortes no escuro do céu. De onde virão os vidros? Esfrego os olhos e volto a abri-los. Se ao menos tivesse luz. Quem foi que a apagou? Respiro e fecho os olhos. Abro-os e esquadrinho o negro. Só há aquele contraste no chão. O interruptor, onde está? O sol demora? Respiro, num crescendo até me levantar. Caminho evitando o contraste do negro no chão e palpando a parede sinto o clarão bater-me nos olhos. Fechados. Lentamente vão se abrindo deixando aos poucos que os fios de luz passem pelas pestanas. Há folhas no chão. Escritas. Palavras amontoam entre os montes de folhas espalhados pelo chão. Há livros no chão. Desço ao chão outra vez. Junto a uma folha. Pouso lá os olhos. Ainda não se constroem as palavras nos meus olhos. Feridos. Estive a chorar? Porque estive a chorar? Tento outra vez, mas os vidros afinal estão nos meus olhos e impedem-me de ler. Calmamente danço com o olhar até ele se habituar ao negro das letras contra o branco. Da folha grita-se uma só frase entre todo o texto. “Lutamos em vão”. Fecho os olhos e respiro. Percebo tudo agora. Os vidros são afinal os pedaços que o meu coração largou sobre o chão. São restos de nós. Levanto-me, vou ao encontro da porta. Andar. Claro que temos que andar! Tudo se entende agora. Abro a porta e a outra. Vejo a estrada. Os meus percorrem-na. Correm-na. Para longe de ti desta vez. Para fora de ti desta vez. As tuas palavras ecoando-me agora ao ouvido, as palavras que diziam que nada é eterno, que um dia a história acaba.


Quem não quis saber tirou a mão e partiu. Deu o que não tinha para levar. Fechei o corpo e fugi. Ainda não sei para onde, ainda não sei porquê. Mas o meu interior ainda arde. Labaredas laranja consomem o meu interior ainda que não se vejam do meu exterior de fora. Sou uma sombra do que era. Ninguém quis saber, toda a gente tirou a mão, deram o que não tinham. Levaram-me e eu fugi. Levaste-me. Há um resto de nós aqui. Há restos de nós no fogo. Mas o teu sorriso ainda vai arder. Porque é enorme e queima devagar. A esta distancia. Queima mas já aqueceu. Quiseste-me saber sem restrições, quiseste saber-te dona de mim. Já não és, nem nunca foste. Os dias amontoam-se sobre esta minha fuga. Não vou voltar porque já nem tu estás parada no mesmo sítio. E nem que nos quiséssemos encontrar não íamos conseguir. Daríamos voltas numa dança interminável que o ritmo ditaria. Fantoches da guitarra, marionetas desse baixo. E tu sabe-lo, já o sabias naquela tarde de Março em que me mostravas no mar o infinito que sabias perdido em nós. Mas deixaste que o licor azedasse e se tornasse no veneno que me injectaste durante estes anos. Mas agora tu também o tomas, também te contorces com as dores que foram minhas. Deitas-te agora no chão que calcaste, bebes agora tudo o que me quiseste espremer. Não te digo isto de cima mas digo-to daqui do teu lado. Não lado a lado. Costas com costas, mas no mesmo chão. Hoje vens tu e eu já sei de cor o travo do teu licor e os restos de mim no chão.

*Textos feitos a partir das músicas dos Toranja "Tempos Adversos" e "Restos" para um projecto daqui

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Cheirar o Mar

Sente este cheiro. A humidade acorda o cheiro do teu pescoço e atira-mo para o nariz. Não sentes? Só sentes o cheiro do mar? Nonsense! O mar não tem cheiro. Oh sim, tem aquele cheiro que nós chamamos do mar, mas é só o sal e o iodo e o ar banhado de sol. Não te rias! Sim, por o mar não ter cheiro o ar banhado de sol não pode ter? Não te ponhas a fazer desenhos na areia, tou a falar para o mar? Já falei muitas vezes. Hm hm. Vinha-lhe contar de ti, do teu sorriso e de como me fazia feliz. Antes de te poder contar a ti. E ele ouvia-me e respondia-me. E o cheiro dele, quer dizer, o cheiro do iodo e do sal e do ar banhado muitas vezes de lua, ajudavam-me a escrever. Era como se eu lhe contasse e o mar misturasse as minhas palavras na areia e me desse umas novas para te contar ao mundo. E agora? Agora já não preciso de novas, já não preciso de lhe falar e de lhe contar porque te conto a ti. Ah, como é que faço para te contar ao mundo? Deixo que o coração fale sozinho, ligo os meus braços directamente ao peito e ele conta-te ao mundo. Não acreditas? É verdade, mas vá tem uma ajudinha do cheiro do mar. Pois não, não estou com o mar, nem preciso, porque o cheiro ao mar também pode ser aquele que o teu pescoço faz navegar no meu nariz. Melhor que o do ar banhado de sol, do iodo e do sal. É o mar que cheira a ti. Porque o meu mar és tu.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Rir o Jazz

Assim só nós. Como só nós sabemos. Podes sorrir. Sorri. E ri-te se quiseres. É de ouro esse teu riso, mesmo de ouro. Não, não digo isto no sentido cliché que já está mais enferrujado e escuro que os postes junto ao mar. Digo porque é assim que ele se sente. Claro e brilhante - brilhante de brilho e não de genial!- e que larga um som que enternece quando cai sobre nós. Não sei como. E o teu riso vai direitinho ao meu peito e faz tocar o meu tambor vermelho. Sim, tonta, claro que me refiro ao coração. Como é que o coração toca? Dá cá a tua mão. Ouves? Bater não é a mesma coisa que tocar? Pois claro que não! Ele bate no meu peito mas toca no teu. Em vez de franzires as sobrancelhas desdobra a metáfora. Vês como sabes, mas dito assim fica mais bonito. Recapitular? Tu ris, exacto, o teu riso vai até ao meu coração e ele toca no teu. Como se o teu riso fosse uma sequencia de agudos no piano pedindo o contra-baixo e a bateria. Ups, desculpa fiz mais confusão. O piano é o teu riso, a bateria é o meu coração e o contrabaixo sou eu a vibrar no teu coração. Pois, se calhar ando a ouvir jazz a mais. Mas o jazz é como tu, nunca se cansa e gosta-se sempre!

*obrigado ao senhor Bernardo Sassetti pela ajuda com a sua Da Noite - Ao Silêncio

sábado, janeiro 20, 2007

Envolver a Noite

Tens frio? Chega-te mais perto do meu coração. Assim, abraça-me e cola-te ao meu peito. O escuro? Tens medo? Não sejas tonta, é só o ar. Claro que não é mais pesado! É por isso que sussurras? Sim, talvez a noite peça mais silêncio. Realmente, está muito mais silêncio à noite. É normal que esteja mais frio, mas o nosso calor não sai daqui. Pensa assim, se não fosse o escuro nunca viamos as estrelas. Gosto da noite por isso, porque me traz a lua e as estrelas, e traz o teu abraço aqui colado ao meu. Já pensaste nisso? O nosso abraço, aquele que nos aquece e adormece, anda sempre ao contrário do sol, como a noite. Se o dia vem ele logo tem de se esconder. Já pensaste? Mais uma razão para não temeres o negro da noite. Vá, traz lá o sorriso que vestiste hoje. Fica-te tão bem.

domingo, janeiro 14, 2007

Dias Anos

Complementar. Claro e sem dúvida. Gelo no peito, vidro nos olhar. Borboletas no estômago. Ferro nos dedos, sede nas mãos. Luz no sorriso. Segundos contigo, séculos sem ti. Felicidade, crua e inebriante. Vermelho, vermelho no coração. Coração em ti, cabeça em ti. Mundo em nós. Perdido quando não me seguras a mão. Lágrimas no sorriso, sorriso que não sai nem entre lágrimas. Peito que explode a cada sopro teu. Sopro suspiros à tua distância, inspiro em torrentes do teu pescoço. Tremo. Num arrepio e num suspiro. Adoro-te, o Verão e o Inverno.

sábado, janeiro 06, 2007

Mundo nosso

"O calor, o vermelho, a graciosidade, como tudo ficava bem no meu sorriso."


E fica agora sem querer sair. E cola-se sem se levantar. O vermelho exala, irrompe e explode da minha face. Visto-me de vermelho e não o largo mais. É a cor que me pinta a alma, é tudo o que vejo dos meus olhos. O vermelho de um sentimento que corre do meu sangue para o teu, o vermelho que me colas à face, o vermelho com que pinto as mãos sempre que elas te abraçam, o vermelho que me entra no nariz vindo do teu pescoço. A graciosidade, com que dançamos, com que falamos, com que beijamos, com que andamos, com que nos sentimos. Sinto-me um bailarino com os passos que se unem formando um movimento lindo e coordenado, contigo. Sem coreógrafo ou encenador. Assim, sorrio, no teu sorriso. O calor. O aroma dos teus olhos, o som do teu coração, o desenho do teu aroma, o sabor do teu abraço, o calor da tua saliva. O calor que nos viaja e nos leva a voar. Sem pensar nas vertigens que nos prendiam ao chão, sem pensar no destino, mas na viagem. A nossa viagem. Adoro o "nós" que nos sai das palavras, adoro os nós que mostramos ao mundo. Sem medo. Somos um nós feito de mim e de ti. E sorrio, sorrio com tudo o que sempre quis sorrir. Sorrio contigo, como nunca sorri com ninguém.