terça-feira, março 28, 2006

Transfigurações: Desejo

A uma música que me embala docemente os olhos enquanto a percorro com o olhar. Os lábios vermelhos largam o perfume que me aproxima dela. A pele bonita e alva trazendo-me a lembrança do céu espalhado de nuvens. Vejo-lhe agora as mãos quentes. Perfeitas, com uma graciosidade de um cisne têm o tamanho para caberem nas minhas. E como gostava que coubessem. Como gostava de as trazer no lado de sorriso em riste. Não sei nada do que fazem, se pintam ou escrevem. Mas a doçura com que lhe caem no regaço fazem quere-las para mim. E esse anel que trazem no indicador, prateado faz dançar a luz a cada breve movimento. Gostava que ela mo oferecesse, traria-o ao peito para que me podesse tornar mais como ela. E o vermelho dos lábios chama-me. Grita sabores aos meus que se enrolam sequiosos. E os meus olhos aclamam os dela, mas limitam-se a aguardar pacientemente que o olhar passe como a luz brilhante de um farol que gira enternamente. Gostava que se fixasse só no meu barco e seguisse comigo a viagem que tenho planeada para ambos. O calor da sua presença é como um braseiro numa noite húmida de Janeiro, que aquece sem nunca queimar. Só queria mesmo abraçar esse calor para afugentar este frio que trago. Para poder adormercer com os meus pés junto aos dela, enquanto ela se encolhia sorrindo. O calor, o vermelho, a graciosade, como tudo ficava bem no meu sorriso.

sábado, março 18, 2006

Cru

Hoje não me vou mascarar, vou falar do buraco que me esconde, vou desligar o filtro de histórias que não sã minhas. Vou sentir a liberdade de deixar lágrimas por aqui pousadas em vez de as escrever em caras que não a minha. E hei-de dizer ao mundo para parar de implicar comigo, e não inventar uma história que gostava que fosse a minha. Não me deixarei intimidar pelo medo de me verem frágil, e não terei medo de baixar a máscara. Sou fraco na verdade, ou a vida é dura para mim. Perdi o tacto e já nem sei o que é suave, só sei que a cada dia as lágrimas são mais frias e tão poucas as alegrias. Não me vou transfirgurar, ou pôe a minha dor numa personagem, vou confessar ser doente de uma doença que me prende o coração e espalha a dor. Não posso nunca abrandar, não posso nunca chorar. Já tanto mal me atacou que não posso tirar nunca a armadura. Mas ela pesa-me nos ombros e a cada dia impede-me de andar. Estou farto das lágrimas me adormecerem e estou farto da chuva povoar os meus dias, venha a primavera que já não aguento este frio. Desta vez choro assim, tão sincero e verdadeiro como a lágrima que sai de mim.

domingo, março 12, 2006

Transfigurações: Frio

Tudo muito branco. Um branco azul, do gelo. As partes que ainda sentem do meu corpo abanam-se como sacudindo o branco. Não as sinto as tremer, vejo-as só a agitarem-se.O frio, o frio que parece entrar-me nos ossos e gelar-me todo. Apetecia-me correr para o afugentar, mas estou gelado. Paralisado e branco. Estou encostado contra algo que já não me lembro o que é, só me lembra o frio. E depois o vento vem e varre a poeira branca de encontro a mim, de encontro à minha face . Eu gelo. Apetecia-me chorar, chorar que alguém me viesse socorrer, mas as lágrimas iam gelar-me a cara então já nem poderia sorrir a quem me salvasse. E o branco a doer-me nas mão roxas e o nariz que se cansou de não ter direito ao frio do corpo, e eu que não me mexo. Pensa em calor, pensa em fogueiras, em chuveiros de torneira vermelha, e frigorificos. Por isso são brancos afinal. O branco gela os olhos, e a minha alma acaba por gelar também farta de tremer de frio.

quinta-feira, março 02, 2006

Transfigurações: Nojo

Estou sentado à mesa. O mastigar molhado traz-me a sua presença. Preta. Toda ela preta e a parede também. Com excepção das infiltrações que fazem lembrar arvores secas e mirradas pelo inverno seco. Ao fundo um palco decrépito com um pianista de cabelos escorridos e bigode amarelo de fumo. Não chega a ser um bigode, uma piaçaba que vai esfregando o nariz com os seus esgares de demasiada concetração para tão desmazelada música. O mastigar molhado, nhac nhac, a fala entre a comida. A total falta de harmonia. As mesas cobertas com toalhas quadriculadas vermelhas e brancas. Um vermelho triste, apagado, pálido que nem um morto. O branco sujo, amarelado de sabe-se lá o quê. Os olhos dela, os olhos de uma mosca. Bolas de discoteca negras, uma mosca. Cheira a gordura, a azeite que já ninguém se lembra estar ao lume. Cheira mal, ela cheira mal. Não sei o que come, devem ser minhocas, cor-de-rosa, mas um cor-de-rosa deslavado, deficiente. Ela come. Engole tudo mastigando o suficiente para que a comida gorgoleje ao mundo. Nojo. Nojo.