terça-feira, junho 27, 2006

És

Aconteceste-me. Assim, não sei se queria ou não. Não sei se queria viver aprisionado num sentimento, ou sentir alguma coisa, mas quis. Quis-te. Fiz mal dizes tu. Ou digo eu, já não sei bem. Mas o que é o bem afinal? Às vezes, és tu. És bem e eu sinto-me assim contigo, sinto-me assim por te sentir. Sento-me. Afinal o que digo? Acho que te vou dizer, aquilo que não sei se queres ouvir.
Aconteceste-me, e gostei-te. Gostei-te e gosto-te. És. Aquilo que eu preciso, aquilo que eu quero para mim, és.
Portanto, sei que te quero, sei que não te posso ter, ou sequer querer. Agora o que faço eu? Sento-me aqui e espero que passe. Passo! Já fiz isso e não foi bom. Então? Luto e perco-te na batalha? Que porra. E depois, não te quero magoar, não te quero sequer influenciar com este sentimento parvo que sou eu. Mas quero-te e ao querer magoo-te. O que faço eu? O que digo eu?
Deixar-te lentamente escapar das malhas do músculo vermelho, assim sem ninguem notar com um sussuro. A tua ausência até ajuda. Ajudará? Será que não ganhas na distância uma dimensão que ultrapassa o teu tamanho? Mas estava a dizer que te ia deixar escapar. Assim, sem guerras, sem choros, devagarinho sem ninguém notar. Queres assim? Não vais achar que eu te abandonei pois não? Quer dizer é um bocado desistir de ti, mas faço-o por ti. Quem sou eu para fazer alguma coisa por ti? Ninguém, ninguém, mas faço-o para te minimizar a dor, para... sei lá!
Eu só quero não estar assim atormentado, só quero não te atormentar.
Na verdade eu só queria a tua mão na minha, mas eu sei que não pode ser. Eu sei, e por isso vou ficar aqui quietinho esperando que tu saias, devagarinho, sem fazer barulho está bem?

quarta-feira, junho 21, 2006

É mais fácil

É mais fácil sonhar desmedidamente do que imaginar só a tua mão sobre a minha. É mais fácil fingir que não me suportas do que não suportar que me possas desprezar. É mais fácil desejar a tua presença do que desesperar a tua ausência. É mais fácil escrever as minhas inquietações do que mostrar-te as minhas lágrimas. É mais facil pensar que te afastas por consideração por mim do que considerar que a tua ausência é egoista. É mais fácil gostar-te por seres compreensiva do que compreender porque me atormentas. É mais fácil o silêncio do que a coragem das palavras. É mais fácil deixar-me aqui esvaído em dor do que dares-me um golpe no peito. É mais fácil amar o teu olhar do que esperar que me olhes. É mais fácil sentar-me aqui e esperar do que levantar-me contra essa impassividade. É mais fácil deixar-te palavras aqui do que esperar que mas ofereças noutro qualquer lugar. É mais fácil ser feio e usar isso como desculpa, do que a beleza me revelar mais defeitos. É mais fácil sorrir-te do que chorar que não suporto quando não me mostras o teu sorriso. É mais fácil mas nem sempre é melhor.

terça-feira, junho 20, 2006

Voar II

A madrugada findou-se com a vinda da luz e trouxe consigo a beleza dela. O céu negro cheio de estrelas permanecia só nas ondas do seu cabelo, e nos olhos dele que lhe afagavam o rosto enquanto ela dormitava. O mar parecia congelado naquele azul quase vítreo da manhã recém-nascida. Ele acordou-a com um beijo enquanto usava o seu nariz para agitar o dela. O sorriso abriu-se primeiro e depois os olhos. Com o abir dos olhos veio a surpresa:
-Já é de dia? Já deviamos ter ido! Porque não me acordaste?- Agitou-se ela mas as palavras saiam-lhe com a doçura de uma criança amuada.
- Vamos agora. - respondeu-lhe ele com uma segurança que não dava espaço a mais birras.
Levantaram-se ambos e na praia abraçaram-se e beijaram-se antes que o sol viessem por completo. Ela foi primeiro, começou a correr até subir no horizonte tornando-se não mais que um ponto negro. Ele segredou para os seus lábios que ninguém estaria acordado a esta hora para a ver chegar. Ele seguiu-lhe os passos na areia dura e molhada correndo até já não sentir os pés afundarem-se entre pedrinhas. Enquanto voava não tirou os olhos daquele ponto negro até este se afastar para o interior. Ele continuou junto ao mar até ver o velho barco naufragado, agora já bem rodeado da segurança do cimento. Seguiu então ele para este movendo-se mais mecânica do que conscientemente até que desceu quando viu o seu prédio amarelecido do tempo e aterrou no terraço cimeiro tão calmamente quanto possivel. Chegou-se então à face do seu quarto e impulsionando-se em direcção fez o esforço do voo mas controlando-o a para que sentisse o seu corpo descer mas a um ritmo lento. Deixou-se chegar à sua janela e sentou-se no parapeito olhando o sol que agora nascia. Quando o circulo já se erguia plenamente acima da linha do horizonte entrou e deitou-se na cama adormecendo imediatamente.
Ela junto á sua velha escrivaninha olhava a fotografia dele no computador. Desligou o ecrã e deitou-se sobre a colcha. Ergueu a mão contra o tecto branco e imaginou a dele abraçada. Num movimento calmo e quase melancólico deixou-a descer e sorriu enquanto sonhava acordada esperando pelo alarme que a faria erguer-se de novo.

segunda-feira, junho 19, 2006

Voar I

A lua já se deixava cair sonolenta nos prédios do horizonte. Ele limpava o cabelo acabado de sair do banho enquanto o leitor de cd's o acompanhava nos seus gritos. Vestiu-se então todo de preto, nem um único vestigio de outra cor. A única coisa que contrastava com a cor do seu cabelo que cobria o corpo era o branco do sorriso de anticipação. Abriu a janela com o rodar da maçaneta enquanto deixou que o voo do vento lhe afagasse a cara. Era a vez dele. Apagou a luz esticando o pé, chegou-se à janela subiu e atirou-se. O ar passava a grande velocidade à medida que o chão se aproximava. O sorriso lentamente se transformou com o esforço e com o cerrar de olhos finalmente começou a voar paralelamente ao chão. Abriu os olhos enquanto estendia os braços. Não os abria para ver os prédios que pudessem interferir no seu percurso porque já os sabia de cor, abria os olhos para sentir aquela cidade deslizar as suas luzes debaixo dele. Hoje seguiu para a beira-mar enquanto passava por gaivotas que sentindo-o gritavam. As vezes apetecia-lhe tirar as luvas negras e afagar aquelas lindas aves no seu voo. Elas não eram muito dadas a isso e ele também não lhes queria causar confusão. Foi voando então em direcção a sul até que encontrou por fim o que procurava. Lentamente e à beira da areia deixou-se descer lentamente até que sentindo a capacidade se deixou cair rebolando na areia. Subiu então o areal até chegar aquele paredão. Ajudado pela luz do telemóvel procurou no muro o coração que continha dois nomes e sentou-se em cima do muro ao seu lado. Olhou os ponteiros fluorescentes que formavam um ângulo recto com o ponteiro mais pequeno apontando para as 12. Ela já devia cá estar, mas vendo as coisas assim ele também devia ter chegado 15 minutos antes. Olhou para o breu tentando distinguir um movimento. Mas antes disso alguém lhe puxou o pé assustando-o. Ele deixou-se cair na areia enquanto um beijo surgido do escuro lhe tirou o medo do coração.
-Isso não se faz.- reclamou ele fingindo estar xateado. Mas o sorriso anunciava a sua representação. Ela subiu para o muro e ele subiu com ela. Sentaram-se em cima do coração enquanto davam as mãos e sentiam o cheiro um do outro.
-Olá-sorriu-se ela dando inicio à conversa que duraria até à manhã seguinte

sexta-feira, junho 16, 2006

Sentir o Vazio

Sentir o vazio do sentimento é triste, senti-lo num beijo é desolador. Sentir a ausência do mundo na carne dói, mas senti-la no coração ainda dói mais. Aquela sensação de que me perdi algures e que ninguém notou. E agora caminho sozinho, e já nem sei se caminho. Uma vez escrevi “Andar, nunca parar”. Hoje já nem sei se ando. Obrigo-me a suportar mais uma dor a cada segundo, e digo “é só mais uma, não vai haver mais a seguir”. Mas nunca é a última, há sempre mais um espelho, mais uma fotografia, mais uma criança, mais um par de mãos entrelaçado. Vêm todos de faca na mão pronta para espetar no peito. Mais uma. E torna-se dificil andar, sem pensar. Só andar sem parar. Não consigo. Porque a felicidade teima em fazer-se de cenoura e eu sou o burro que pensa que a vai conseguir alcançar, enquanto vou puxando a àgua do poço. E os meus poços brotam àgua salgada ao desbarato. E depois morrem-me os dedos e tenho que escrever para os animar. E escrevo as tristezas que ninguem quer ler. E paro não ando e depois toda a gente me vem perguntar porque não ando, mas ninguem me pega na mão. O nosso mundo é assim, toda a gente pergunta porque estamos parados, mas ninguem nos empurra. Ou ninguem se senta e espera connosco que as pernas voltem a ganhar forças. Eu vou esperar porque se continuar a andar vou cair, e já tenho feridas que cheguem.

quarta-feira, junho 14, 2006

Pedido

Se tivesse que usar uma palavra para te descrever provavelmente seria impossível. Impossível é exactamente tudo o que és. Antes de vires de chinela na mão para me bater lê as minhas razões:
• É impossível lembrar-te sem sorrir.
• É impossível lembrar-me de ti e tu não estares a sorrir.
• És impossível de não adorar.
• És impossível de ser parada, nem que o mundo se ponha à tua frente.
• É impossível percorrer um corredor contigo e não parar para cumprimentar ninguém ( =))
• É-te impossível não fazer tudo o que podes por aqueles de quem gostas.
• É impossível alguém ficar indiferente às tuas palavras de incentivo.
• É impossível ser teu amigo, e sentir que a amizade é vã e fútil por muito que o pensem.
• É impossível ser teu amigo e não saber que tudo o que queres tu consegues, e tudo o que não queres não toleras.
• É impossível conseguires ter tudo ainda que às vezes apeteça.
• É impossível ficares sozinha porque eu nunca te abandonarei.

Nunca te esqueças destas impossibilidades, mesmo quando sorrires ou se por acaso o mundo te trouxer lágrimas. Porque o tudo é impossível, mas para ti nada, nada o é.

sexta-feira, junho 02, 2006

Um grito murmurado

Hoje encontrei o teu cheiro nas minhas mãos. Assim de repente, lá estava ele na minha mão gritando a ausência da tua mão. Estranho encontrá-lo hoje, hoje que já nem me lembro do calor da tua, hoje que já nem sei o timbre da tua voz. Ontem os meus olhos foram vitimas de toda esta ausência. Chorei-os mesmo sem eles quererem, espremi-os até sair de dentro de mim a tua presença. Mas as lágrimas mancharam as mãos e hoje o teu cheiro invade-me o espirito cada vez que inspiro. Não queria que saisses de mim para ficares nas minhas mãos. Não queria que saisses de mim. Queria-te ter como minha, oferecer-te presentes a cada instante, sorrir com os teus olhos a cada momento, deixar-te descobrir no meu chão constelações que não sabias existirem, inspirar este cheiro de que agora me alimento directamente do teu pescoço, e carimbar nas tuas mãos as minhas para que nunca te esquecesses o sitio onde te segurar. Não queria que saisses de mim. Mas tu queres sair e eu já não te posso agarrar. Deixo-te sair e levar-me o que trazia antes no peito pintado de vermelho. Mas deixas na minha mão o teu cheiro, deixas em mim algo teu. Para me lembrar? Para me esquecer? Para que nunca possa viver sem ele? Ou para que te continue a buscar mesmo na escuridão mais negra?
Deixo-te a porta aberta, deixo-te entrar e sair até se quiseres, diz -me só se queres a chave, para que não me arrombes a porta de todas as vezes que passas. Eu estarei no mundo a cheirar-te nas minhas mãos. Mas à meia-noite espero-te sempre nas escadas , de sapato de cristal na mão. Só tens que querer calçá-lo.